DONA
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS
Dona Flor mangava de tolice tão grande, sorrindo mansa: só mesmo na cabeça de dona Dinorá, sem ter em que gastar o tempo – só em sua cabeça passariam essas tontas ideias de noivado e casamento. Não na de dona Flor, quando mais não fosse por não haver decorrido sequer um ano de falecimento do marido, prazo mínimo para a viúva carpir e honrar sua memória e sua ausência.
Ao demais, se alguma decisão firme tomara, ao atingir os oito meses de luto, fora a de não se casar novamente. Para quê, se tinha o necessário, se ganhava seu de comer e seu de vestir com as aulas de culinária; se as amigas, tantas e tão boas, lhe traziam o conforto de seu trato fino e de sua grata convivência; se não sentia falta de calor de homem, para tais coisas morta e para sempre, por que casar-se.
Com o riso um tanto triste e com a segurança desse irremovível propósito, enfrentava as cordiais provocações, as investidas de dona Norma e de dona Gisa, a lhe apresentarem, elas também, na bandeja da amizade, as cabeças de possíveis candidatos.
O de dona Gisa era o culto professor Epaminondas Souza Pinto, solteirão encruado, mestre de meninos em ginásios particulares e historiador nas horas vagas. Sempre com pressa e suarento, mal-ajambrado em terno branco com colete e polainas, andando pelos sessenta anos, um tanto aéreo e vago, dona Flor o conhecia e estimava, mas se houvesse de romper sua firme resolução de viúva não seria certamente para dar a sua mão de esposa ao professor, por demais castiço e oratório para seu gosto simples (sem falar, por descrição e elegância, no desengonço do gramático). Dona Flor ria, a gracejar: mesmo viúva e pobre não estava assim tão deteriorada.
Riam as amigas: dona Norma, indecisa entre diversos, conhecia meio-mundo; dona Amélia às voltas com outros tantos; dona Êmina, em luta por Mamede, um compatriota sírio, colega em viuvez e antiquário, vizinho de presença pouco constante, demorando-se pelo interior do Estado a comprar santos carunchosos, cadeiras capengas, cristais partidos e até penicos velhos.
Mamede? Feio como a necessidade, ainda pior que o professor Epaminondas, segundo dona Flor.
Até dona Enaide veio do Xame-Xame, de pretendente em punho; um cunhado, notário nos cafundós do rio São Francisco, moreno de quarenta e cinco anos, careca e um tanto narigudo, porém alegre e divertido, com um dinheirinho junto, um partidão de nome Aluísio. De todos o mais semelhante ao descrito por dona Dinorá, pelo menos a acreditar-se na palavra de dona Enaide. Quase possuía inclusive título de doutor, pois fora rábula de clientela, antes de meter-se na desgraça da política.
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS
EPISÓDIO Nº 125
Dona Flor mangava de tolice tão grande, sorrindo mansa: só mesmo na cabeça de dona Dinorá, sem ter em que gastar o tempo – só em sua cabeça passariam essas tontas ideias de noivado e casamento. Não na de dona Flor, quando mais não fosse por não haver decorrido sequer um ano de falecimento do marido, prazo mínimo para a viúva carpir e honrar sua memória e sua ausência.
Ao demais, se alguma decisão firme tomara, ao atingir os oito meses de luto, fora a de não se casar novamente. Para quê, se tinha o necessário, se ganhava seu de comer e seu de vestir com as aulas de culinária; se as amigas, tantas e tão boas, lhe traziam o conforto de seu trato fino e de sua grata convivência; se não sentia falta de calor de homem, para tais coisas morta e para sempre, por que casar-se.
Com o riso um tanto triste e com a segurança desse irremovível propósito, enfrentava as cordiais provocações, as investidas de dona Norma e de dona Gisa, a lhe apresentarem, elas também, na bandeja da amizade, as cabeças de possíveis candidatos.
O de dona Gisa era o culto professor Epaminondas Souza Pinto, solteirão encruado, mestre de meninos em ginásios particulares e historiador nas horas vagas. Sempre com pressa e suarento, mal-ajambrado em terno branco com colete e polainas, andando pelos sessenta anos, um tanto aéreo e vago, dona Flor o conhecia e estimava, mas se houvesse de romper sua firme resolução de viúva não seria certamente para dar a sua mão de esposa ao professor, por demais castiço e oratório para seu gosto simples (sem falar, por descrição e elegância, no desengonço do gramático). Dona Flor ria, a gracejar: mesmo viúva e pobre não estava assim tão deteriorada.
Riam as amigas: dona Norma, indecisa entre diversos, conhecia meio-mundo; dona Amélia às voltas com outros tantos; dona Êmina, em luta por Mamede, um compatriota sírio, colega em viuvez e antiquário, vizinho de presença pouco constante, demorando-se pelo interior do Estado a comprar santos carunchosos, cadeiras capengas, cristais partidos e até penicos velhos.
Mamede? Feio como a necessidade, ainda pior que o professor Epaminondas, segundo dona Flor.
Até dona Enaide veio do Xame-Xame, de pretendente em punho; um cunhado, notário nos cafundós do rio São Francisco, moreno de quarenta e cinco anos, careca e um tanto narigudo, porém alegre e divertido, com um dinheirinho junto, um partidão de nome Aluísio. De todos o mais semelhante ao descrito por dona Dinorá, pelo menos a acreditar-se na palavra de dona Enaide. Quase possuía inclusive título de doutor, pois fora rábula de clientela, antes de meter-se na desgraça da política.
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