DONA
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS
Se entravam numa loja, ele na porta punha-se à espera; se dobravam uma esquina ele as seguia; se paravam ante uma vitrine, da vitrina imediata ele as observava. Como duvidar ainda?
As comadres vinham sozinhas ou em grupo espiá-lo ao pé do poste. Como era lindo e parecia infeliz, suplicando ternura, a graça de um olhar, de um sorriso, de uma esperança, formavam todas de seu lado, a seu favor, tentando inclusivé adaptá-lo à visão do noivo revelado na bola de cristal. Não era ele moreno e distinto, talvez doutor e com dinheiro? Quanto à idade e outros atributos físicos, talvez o desencontro se devesse à miopia de dona Dinorá, enxergando maturidade onde devera ver juventude, forte tronco onde existia ponto fraco, saúde de ferro em lugar de pálida languidez. O melhor, na opinião de todas as comadres, era a vidente consultar de novo o cristal e os baralhos, pondo fim àquelas obscuras contradições.
Assim o fez dona Dinorá ante a expectativa do bairro em polvorosa, uma onda crescente de simpatia e solidariedade a cercar Eduardo, o Príncipe das Viúvas, ancorado ao poste de electricidade, fitando o lar de dona Flor, sua próxima escala, porto de aguada e abastecimento.
Aconteceu, porém, ter-se repetido na bola de cristal e na leitura dos baralhos o perfil enérgico do quarentão soberbo com seu anel de grau e sua rosa cor de vinho. Estando a visão envolta em fumaça, como sucede sempre no mistério das revelações, não podia dona Dinorá precisar a qualidade da pedra no anel do doutor, esclarecendo-lhe de vez a profissão. Mas podia com absoluta certeza e alguma pena do moço pálido a suspirar na esquina, garantir nada ter de comum com ele o verdadeiro pretendente, o futuro noivo ainda a aparecer.
Por mais se esforçasse ela, curvada sobre o límpido cristal ou sobre os vistosos naipes, concentrando-se nos eflúvios hindus do Ganges, nas secretas legendas dos templos do Tibet, nada obteve: as forças ocultas da magia oriental persistiam na firme decisão de negar passagem ao Príncipe Eduardo (de Tal). Também nos ebós dos candomblés, em sacrifícios de conquéns e pombos, de galos e de um bode negro, despachos encomendados por Dionísia de Oxóssi para defender sua comadre dona Flor dos malefícios e dos malvados, Exu fechava seus caminhos, trancava suas encruzilhadas para o galante sedutor, especialista sem rival em consolar viúvas, roubando-lhes os solitários corações e, de passagem, haveres e economias, cobres e pratas, anéis e jóias.
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS
EPISÓDIO Nº 129
Se entravam numa loja, ele na porta punha-se à espera; se dobravam uma esquina ele as seguia; se paravam ante uma vitrine, da vitrina imediata ele as observava. Como duvidar ainda?
As comadres vinham sozinhas ou em grupo espiá-lo ao pé do poste. Como era lindo e parecia infeliz, suplicando ternura, a graça de um olhar, de um sorriso, de uma esperança, formavam todas de seu lado, a seu favor, tentando inclusivé adaptá-lo à visão do noivo revelado na bola de cristal. Não era ele moreno e distinto, talvez doutor e com dinheiro? Quanto à idade e outros atributos físicos, talvez o desencontro se devesse à miopia de dona Dinorá, enxergando maturidade onde devera ver juventude, forte tronco onde existia ponto fraco, saúde de ferro em lugar de pálida languidez. O melhor, na opinião de todas as comadres, era a vidente consultar de novo o cristal e os baralhos, pondo fim àquelas obscuras contradições.
Assim o fez dona Dinorá ante a expectativa do bairro em polvorosa, uma onda crescente de simpatia e solidariedade a cercar Eduardo, o Príncipe das Viúvas, ancorado ao poste de electricidade, fitando o lar de dona Flor, sua próxima escala, porto de aguada e abastecimento.
Aconteceu, porém, ter-se repetido na bola de cristal e na leitura dos baralhos o perfil enérgico do quarentão soberbo com seu anel de grau e sua rosa cor de vinho. Estando a visão envolta em fumaça, como sucede sempre no mistério das revelações, não podia dona Dinorá precisar a qualidade da pedra no anel do doutor, esclarecendo-lhe de vez a profissão. Mas podia com absoluta certeza e alguma pena do moço pálido a suspirar na esquina, garantir nada ter de comum com ele o verdadeiro pretendente, o futuro noivo ainda a aparecer.
Por mais se esforçasse ela, curvada sobre o límpido cristal ou sobre os vistosos naipes, concentrando-se nos eflúvios hindus do Ganges, nas secretas legendas dos templos do Tibet, nada obteve: as forças ocultas da magia oriental persistiam na firme decisão de negar passagem ao Príncipe Eduardo (de Tal). Também nos ebós dos candomblés, em sacrifícios de conquéns e pombos, de galos e de um bode negro, despachos encomendados por Dionísia de Oxóssi para defender sua comadre dona Flor dos malefícios e dos malvados, Exu fechava seus caminhos, trancava suas encruzilhadas para o galante sedutor, especialista sem rival em consolar viúvas, roubando-lhes os solitários corações e, de passagem, haveres e economias, cobres e pratas, anéis e jóias.
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