DONA
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS
Aqueles oito meses de viuvez transcorridos após o primeiro tão aflito, dona Flor os atravessara num redemoinho de quefazeres e inocentes passatempos.
Até aliviar o luto pouco saíra – visitas aos tios no Rio Vermelho, a algumas amigas mais íntimas – enchendo o tempo em casa, com a escola, as encomendas, a vizinhança.
Em Junho cozinhou seus pratos de canjica, suas bandejas de pamonha, seus manuês, filtrou seus licores de frutas, seu famoso licor de jenipapo. Com apenas três meses de luto, não abriu suas salas nem nas noites de Santo António e São João, nem mesmo na de São Pedro, patrono das viúvas. Os meninos do bairro acenderam uma fogueira em sua porta e vieram comer canjica; com eles dona Norma, dona Gisa, três ou quatro amigas, na intimidade, sem nenhuma festa. Todos aqueles pratos de canjicas, as bandejas de pamonha, as garrafas de licor foram de presente para os tios, os amigos, as alunas, nos ritos de Junho, mês das festas do milho.
Depois do sexto mês até ao aparecimento do Príncipe, em Dezembro, as suas actividades sociais cresceram muito. Aliviara o luto em Setembro, às vésperas do primeiro Domingo, data sagrada do caruru anual de Cosme e Damião, os Dois-Dois, devoção do finado; com ele vivo os festejos começavam de manhãzinha, com alvorada de foguetório, indo terminar noite alta, forrobodó de arromba, a casa aberta tanto a amigos como a estranhos. Mantendo o preceito dos Ibejes, dona Flor cozinhou o caruru e o serviu discretamente a alguns vizinhos e amigos, cumprindo assim a obrigação do falecido. Mirandão veio com a mulher e os filhos; Dionísia de Oxóssi só com o menino, pois o xará comia poeira nas estradas, transportando carga para Aracajú, Penedo e Maceió.
As amigas a arrastavam a compras e passeios, a cinemas e visitas; assistira a dois espectáculos de Procópio quando o actor ocupara com sua companhia o Teatro Guarani. Com dona Norma e seu Sampaio, fora ao primeiro, com doutor Ives e dona Emina ao segundo, rindo num e noutro sem parar.
Por vezes permanecia em casa, recusando insistentes convites, pois tantas solicitações a fatigavam; e essa fadiga era responsável, a seu ver, por certa e desagradável sensação difícil de definir: como se movimento, trabalho e riso não bastassem para encher sua vida, de súbito desanimada, como se tudo aquilo fosse extremamente cansativo. Não um cansaço físico, sempre útil e benfazejo, pois a fazia dormir a noite inteira num sono pesado de repouso, sem sonhos. Um esgotamento interior, uma insatisfação.
Nenhuma amargura no entanto, nem mesmo permanente melancolia; sua vida era alegre e agradável como jamais o fora. Saía, passeava, em mil e uma coisas ocupada, sem esquecer a escola, divertida responsabilidade; sendo aquele desânimo, de quando em vez a dominá-la, passageira nuvem em seus dias claros de jovial agitação.
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS
Episódio Nº 130
Aqueles oito meses de viuvez transcorridos após o primeiro tão aflito, dona Flor os atravessara num redemoinho de quefazeres e inocentes passatempos.
Até aliviar o luto pouco saíra – visitas aos tios no Rio Vermelho, a algumas amigas mais íntimas – enchendo o tempo em casa, com a escola, as encomendas, a vizinhança.
Em Junho cozinhou seus pratos de canjica, suas bandejas de pamonha, seus manuês, filtrou seus licores de frutas, seu famoso licor de jenipapo. Com apenas três meses de luto, não abriu suas salas nem nas noites de Santo António e São João, nem mesmo na de São Pedro, patrono das viúvas. Os meninos do bairro acenderam uma fogueira em sua porta e vieram comer canjica; com eles dona Norma, dona Gisa, três ou quatro amigas, na intimidade, sem nenhuma festa. Todos aqueles pratos de canjicas, as bandejas de pamonha, as garrafas de licor foram de presente para os tios, os amigos, as alunas, nos ritos de Junho, mês das festas do milho.
Depois do sexto mês até ao aparecimento do Príncipe, em Dezembro, as suas actividades sociais cresceram muito. Aliviara o luto em Setembro, às vésperas do primeiro Domingo, data sagrada do caruru anual de Cosme e Damião, os Dois-Dois, devoção do finado; com ele vivo os festejos começavam de manhãzinha, com alvorada de foguetório, indo terminar noite alta, forrobodó de arromba, a casa aberta tanto a amigos como a estranhos. Mantendo o preceito dos Ibejes, dona Flor cozinhou o caruru e o serviu discretamente a alguns vizinhos e amigos, cumprindo assim a obrigação do falecido. Mirandão veio com a mulher e os filhos; Dionísia de Oxóssi só com o menino, pois o xará comia poeira nas estradas, transportando carga para Aracajú, Penedo e Maceió.
As amigas a arrastavam a compras e passeios, a cinemas e visitas; assistira a dois espectáculos de Procópio quando o actor ocupara com sua companhia o Teatro Guarani. Com dona Norma e seu Sampaio, fora ao primeiro, com doutor Ives e dona Emina ao segundo, rindo num e noutro sem parar.
Por vezes permanecia em casa, recusando insistentes convites, pois tantas solicitações a fatigavam; e essa fadiga era responsável, a seu ver, por certa e desagradável sensação difícil de definir: como se movimento, trabalho e riso não bastassem para encher sua vida, de súbito desanimada, como se tudo aquilo fosse extremamente cansativo. Não um cansaço físico, sempre útil e benfazejo, pois a fazia dormir a noite inteira num sono pesado de repouso, sem sonhos. Um esgotamento interior, uma insatisfação.
Nenhuma amargura no entanto, nem mesmo permanente melancolia; sua vida era alegre e agradável como jamais o fora. Saía, passeava, em mil e uma coisas ocupada, sem esquecer a escola, divertida responsabilidade; sendo aquele desânimo, de quando em vez a dominá-la, passageira nuvem em seus dias claros de jovial agitação.
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