sexta-feira, maio 28, 2010


DONA
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS

Episódio Nº 131




Tinha as amigas, os tios queridos, a constante companhia de Marilda, espécie de irmã mais moça, quase uma filha, a lhe confiara seus sonhos, seu desejo de cantar na Rádio. Tinha os passeios e o rádio, músicas e novelas, programas humorísticos, os romances para senhoritas em cuja leitura a normalista a viciara, os disse-que-disse das comadres, as previsões de dona Dinorá, candidatos à sua mão aos montes, na voz e no desejo das vizinhas.

Que diriam os pseudopretendentes se tivessem conhecimento desse novo mercado de escravos, dessa farsa risonha, quando eram oferecidos à escolha de dona Flor, numa exibição ruidosa e numa análise pertinaz de virtudes e defeitos, entre comentários e pilhérias, frouxos de riso? Candidatos sem que o soubessem e desejassem e, ao demais, sistematicamente recusados.:

- Seu Raimundo de Oliveira, Qual? Aquele ajudante de santeiro que trabalha com seu Alfredo? Tenha paciência, Jacy, ele é boa pessoa, mas com aquela cara triste e aquela mania de viver na Igreja… arranje outro, por favor…

Os outros não satisfaziam tampouco; quando reuniam dotes de beleza masculina às qualidades de cidadão, ah!, esses eram todos casados, nem um só livre para remédio: o professor Henrique Oswaldo, da Escola de Belas Artes, parente da família do Areal; o arquitecto Chaves, com obra ali perto, um almofadinha; seu Carlitos Maia, com sua precária agência de turismo; o espanhol Mendez, seu Vivaldo da funerária; e aquele por quem suspiravam as moças às escondidas, pois dona Nair não admitia chamegos com seu marido nem em pensamento, Genaro de Carvalho, mais bonito que qualquer artista de cinema a acreditar-se na opinião do mulherio.

Dona Flor levava aquela história de novo casamento em tal deboche, que aos poucos a brincadeira foi-se reduzindo, projectos e candidatos em abandono.

Assim, calma e ao mesmo tempo cheia de interesse decorria sua vida quando, com a chegada do verão, num cálido Dezembro, chegou também o Príncipe, plantando-se ao pé do poste eléctrico como se ali houvesse criado raízes.

A partir do dia das compras com dona Norma, Rua do Chile acima e abaixo, nenhuma dúvida perdurou a respeito da musa a inspirar ao pálido moço fundos suspiros e olhares lânguidos. Dona Flor sentiu-se queimar em rubor, como se aquele interesse envolvesse grave ofensa ao seu estado ou significasse não ter ela sabido manter-se na fronteira da modéstia e da prudência exigidas a uma viúva.

Seria viúva tão risonha e tão saída, aponto de qualquer ousado permitir-se o direito de rondar
sua porta, de brechar suas janelas? Um insulto e uma vergonha e com que intenções?

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