sábado, maio 29, 2010


DONA
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS


EPISÓDIO Nª 132


Com as piores, certamente, gemia dona Flor, trancando portas e janelas, enquanto dona Norma a aconselhava a não agir com precipitação. Ela, dona Norma, não simpatizava com o dito cujo, é bem verdade, parecendo-lhes suspeitas a boniteza lívida, a cara de menino e o jeito de finório. Mas, quem garantiria não estivessem enganadas as duas e fossem os melhores e os mais puros os propósitos do tipo, sendo ele próprio homem de bem, correcto, merecedor de apreço e até da mão de dona Flor e do seu carinho?

Merecedor ou não, não tendo a viúva, contente de sua vida, intenções de casar-se de novo, muito menos se dispunha a manter coió sob suas janelas, a cortejá-la como se ela fosse uma dessas levianas a cobrir de vergonha a sepultura do marido, despindo seu luto nos quartos dos castelos.

Dona Norma buscava acalmá-la, por que essa violenta reacção, esse rancor contra o moço até agora pelo menos respeitoso, situando-se nos limites dos olhares e do acompanhamento à distância? Afinal não era dona Flor menina ingénua para imaginar-se à margem dos galanteios, das cogitações, dos desígnios, honestos ou frascários, dos homens. Moça, bonita, sozinha, porque não haviam de desejá-la e tentar obter suas graças? De certa maneira, homenagem à sua formosura, prova dos seus dotes e encantos. Irredutível dona Flor em sua decisão de manter-se viúva, muito bem; dona Norma não estava de acordo com tamanha idiotice mas não ia discuti-la agora. Mas por que motivo maltratar quem a ela se chegasse com respeitáveis ideias de matrimónio? Por que uma recusa gentil: “Sinto-me honrada, porém sou uma cretina, minha xoxota não tem mais uso, só serve para fazer pipi, não quero saber de casamento!”

Ria-se dona Flore da língua solta da amiga, mas, no primeiro ímpeto de indignação, no regresso das compras, com o suplicante sempre em seu rastro, já lhe batera com as janelas na cara. Em vexame e desconsolo, após uns momentos indecisos, a olhar para um e outro lado, o rapaz iniciou a retirada.

Através das frestas das janelas as comadres assistiam à cena, todas em desacordo com o gesto de dona Flor. Inclusive dona Gisa, testemunha do acontecido; dona Gisa tão sabida da leitura dos livros, do estudo dos textos, tão ingénua e mesmo tola no contacto com as pessoas. “Oh!”, murmurou repreensiva, ao ver as mãos de dona Flor no gesto rude e sua exclamação foi bálsamo para o injuriado don-juan. “Pobre moço, vítima de hábito feudal de preconceito e atraso”.

O pobre moço não queria outra coisa; ali mesmo, na rua, em lacrimosa e veemente confidência, abriu seu coração e depositou em mãos da gringa suas honestas pretensões, seu arrebatado amor e sua terrível pena. Apresentou-se: Otoniel Lopes, seu criado às ordens, comerciante em Itabuna, com loja de fazendas e crédito nos bancos, plantando uma rocinha de cacau, de complemento. Solteiro mas desejoso de casar, afinal já completara trinta anos. Vindo à capital mais em passeio que em negócios, por acaso avistara dona Flor e não mais tivera descanso e paz de espírito; louco, em desvario, tão apaixonado a ponto de lhe parecer-lhe a vida inútil se ela não escutasse suas súplicas. Sabia-a viúva e séria, era quanto lhe bastava: o mais não tinha importância. Se fosse pobre, ainda melhor: os bens dele, davam e sobravam para os dois viverem confortavelmente.

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