DONA
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS
- Zé Sampaio odiava aquela cabeçorra oxigenada, “cabeça de elefante, a maior da Bahia” a dentadura de cavalo, a voz de cavalo e os cuidados: - Sempre doentinho, seu Sampaio? Eu vivo dizendo: “Seu Sampaio, com todo aquele corpo, tem a saúde muito delicada. Qualquer coisinha e está tremendo na cama, cercado de remédios”. Digo e repito: “ Se seu Sampaio não tomar cuidado um dia desses bate a bota…”
Impressionado, Zé Sampaio, gostaria de corre-la a pontapés:
- Tenho uma saúde de ferro dona Dinorá…
- E por que fica assim na cama seu Sampaio, por que não vem ilustrar a gente com a sua prosa? Homem tão letrado, todo o mundo diz que o senhor só não se formou porque… bem, o senhor sabe, o povo fala tanta coisa… se a gente for dar atenção… eu não ligo, vão falando, entra por um ouvido sai pelo outro…
Zé Sampaio sabia onde ela desejava chegar: à sua dissoluta mocidade de filhinho de papai dissipador e malandro. O pai, desgostoso, cortou-lhe a mesada e, retirando-o dos estudos, o pôs na loja a trabalhar de caixeiro.
- Deixe o povo falar, dona Dinorá, não se importe…
- O senhor também acha que a gente não deve se importar com o que falam de nós? Não deve mesmo? – abria os olhos grandes, de boi, muito atenta, como se Zé Sampaio fosse um oráculo dos novos tempos.
- Eu, pelo menos… - e, enchendo-se de vez: - Quer saber de uma coisa, dona Dinorá? Eu quero é paz e descanso… e, para ter um bocadinho de paz, vivo dando razão a quem não a tem. E nem assim consigo… E nem assim consigo… Vêm me aporrinhar até aqui… Com sua licença.
Tomando do jornal ou da revista, virava as costas à visita. “Zé Sampaio é mais bruto do que uma cavalgadura” – dona Dinorá sentia-se envergonhada – “e logo com dona Dinorá, tão boazinha…”
Rispidez ao demais inútil pois dona Dinorá não se dava por expulsa, persistindo solerte:
- O senhor já sabe o que se passou com seu Vivaldo?
Ah!, mulher mais diabólica, desgraçada! Pois não é que lhe conseguia despertar o interesse? Zé Sampaio largava o jornal, vencido:
- Com Vivaldo? Não sei, o que foi?
- Pois eu lhe conto… Seu Vivaldo, homem direito, bonitão, hein! Parece um gringo, todo rosado…
Era sempre assim: após os elogios, vinha a intriga, a maledicência, a denúncia de um trago a mais, da escapula de um marido, um nome de mulher, quase sempre de mulher-dama.
Seu Vivaldo da funerária, segundo ela, num desrespeito às lápides e aos esquifes, reunia, nas tardes dos sábados, por detrás das cortinas roxas com efeitos cor de prata, um grupo de hereges em arrenegado póquer de apostas altas e vasto dispêndio de conhaque e genebra:
- Uma falta de respeito, o senhor não acha? Podia arranjar outro lugar para o vício… - ligeira pausa. – O senhor não pensa, seu Sampaio, que o jogo é o pior dos vícios?
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS
EPISÓDIO Nº 120
- Zé Sampaio odiava aquela cabeçorra oxigenada, “cabeça de elefante, a maior da Bahia” a dentadura de cavalo, a voz de cavalo e os cuidados: - Sempre doentinho, seu Sampaio? Eu vivo dizendo: “Seu Sampaio, com todo aquele corpo, tem a saúde muito delicada. Qualquer coisinha e está tremendo na cama, cercado de remédios”. Digo e repito: “ Se seu Sampaio não tomar cuidado um dia desses bate a bota…”
Impressionado, Zé Sampaio, gostaria de corre-la a pontapés:
- Tenho uma saúde de ferro dona Dinorá…
- E por que fica assim na cama seu Sampaio, por que não vem ilustrar a gente com a sua prosa? Homem tão letrado, todo o mundo diz que o senhor só não se formou porque… bem, o senhor sabe, o povo fala tanta coisa… se a gente for dar atenção… eu não ligo, vão falando, entra por um ouvido sai pelo outro…
Zé Sampaio sabia onde ela desejava chegar: à sua dissoluta mocidade de filhinho de papai dissipador e malandro. O pai, desgostoso, cortou-lhe a mesada e, retirando-o dos estudos, o pôs na loja a trabalhar de caixeiro.
- Deixe o povo falar, dona Dinorá, não se importe…
- O senhor também acha que a gente não deve se importar com o que falam de nós? Não deve mesmo? – abria os olhos grandes, de boi, muito atenta, como se Zé Sampaio fosse um oráculo dos novos tempos.
- Eu, pelo menos… - e, enchendo-se de vez: - Quer saber de uma coisa, dona Dinorá? Eu quero é paz e descanso… e, para ter um bocadinho de paz, vivo dando razão a quem não a tem. E nem assim consigo… E nem assim consigo… Vêm me aporrinhar até aqui… Com sua licença.
Tomando do jornal ou da revista, virava as costas à visita. “Zé Sampaio é mais bruto do que uma cavalgadura” – dona Dinorá sentia-se envergonhada – “e logo com dona Dinorá, tão boazinha…”
Rispidez ao demais inútil pois dona Dinorá não se dava por expulsa, persistindo solerte:
- O senhor já sabe o que se passou com seu Vivaldo?
Ah!, mulher mais diabólica, desgraçada! Pois não é que lhe conseguia despertar o interesse? Zé Sampaio largava o jornal, vencido:
- Com Vivaldo? Não sei, o que foi?
- Pois eu lhe conto… Seu Vivaldo, homem direito, bonitão, hein! Parece um gringo, todo rosado…
Era sempre assim: após os elogios, vinha a intriga, a maledicência, a denúncia de um trago a mais, da escapula de um marido, um nome de mulher, quase sempre de mulher-dama.
Seu Vivaldo da funerária, segundo ela, num desrespeito às lápides e aos esquifes, reunia, nas tardes dos sábados, por detrás das cortinas roxas com efeitos cor de prata, um grupo de hereges em arrenegado póquer de apostas altas e vasto dispêndio de conhaque e genebra:
- Uma falta de respeito, o senhor não acha? Podia arranjar outro lugar para o vício… - ligeira pausa. – O senhor não pensa, seu Sampaio, que o jogo é o pior dos vícios?
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