sábado, junho 12, 2010


DONA
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS


EPISÓDIO Nº 144




Com dona Norma foi a sentinelas e a enterros, a aniversários e a baptismos. Na tristeza e na alegria a amiga mantinha a mesma eficácia e animação, assegurando o êxito de qualquer festa ou funeral onde aportasse. Assumia o leme, traçava a rota, comandante dos risos e das lágrimas: consolando, ajudando, conversando, comendo com vontade, bebendo com gosto e com mesura, rindo quase sempre, chorando se preciso. Para reuniões de qualquer tipo, até para a caceteações das conferências, ninguém igual a dona Norma, eclética e disposta. É um colosso, dizia dela dona Enaide; um monumento, segundo Mirandão, seu admirador; uma santa na voz de dona Amélia; a melhor amiga para dona Êmina e muitas outras.

- Um furacão… gemia Zé Sampaio, avesso àquele movimento.

- O senhor casou com a melhor mulher do mundo, seu Sampaio; Norminha é a mãe da rua… - replicava a dona Flor.

- Mas eu não aguento tanto filho, dona Flor, e tantas aporrinhações… - um pessimista, seu Sampaio.

Escoltando dona Gisa, frequentou no Campo Grande, o Templo Presbiteriano – a gringa a cantar hinos em inglês, com a mesma enfática convicção com que lia Freud ou Adler, discutia problemas sócio-económicos e dançava o samba – sendo repreendida por dom Clemente, em afetuoso carão:

- Disseram-me que você virou crente, Flor, será verdade?

Crente? Que absurdo! Apenas acompanhara a amiga duas ou três vezes, por simples curiosidade e para matar o tempo; longo e vazio é o tempo das viúvas, padre-mestre.

Em divertida viagem de trem, excursionou com os Ruas, passando um fim-de-semana em Alagoinhas, de onde procediam os vizinhos. Assistiu a uma aula de yoga com dona Dagmar, ministrada por graciosa mulherzinha, frágil bibelô a contorcer o corpo como se fosse a mulher rã do circo. Devido ao horário coincidente com o da escola de culinária, não pôde dona Flor, como tanto quis e desejou, inscrever-se no curso e aprender os difíceis exercícios que, segundo sedutora propaganda impressa, mantinha “o corpo ágil e elegante e a mente limpa e sã” proporcionando “exacto equilíbrio físico e mental, perfeito acordo entre a matéria e o espírito”. Equilíbrio e acordo sem os quais não passava a vida de “sujo poço de excrementos”, como dizia a literatura do folheto e como vinha ultimamente constatando dona Flor: com o espírito e a matéria em luta, a vida se convertia num”dantesco inferno”.

Com dona Maria do Carmo, acompanhou Marilda, candidata inscrita em segredo no programa de calouros Buscam-se Novos Talentos”, onde, aos Domingos, durante três meses, podiam moças e rapazes concorrerem ao título de Revelação da Rádio Sociedade e a um contrato. A bela normalista cantou com muito sentimento e má pronúncia uma guarânia paraguaia, saindo-se, aliás, bastante bem, num segundo lugar reconfortante e promissor. Ambicionava a estudante fazer carreira como intérprete de música popular, sonhando com um programa seu e retratos nas revistas. O diabo era dona Maria do Carmo de nariz torcido a tais projectos, a estúdios e auditórios radiofónicos. Só a muito rogo e custo consentira naquela apresentação e ainda assim porque conhecia o doutor Cláudio Tuiuti, manda chuva na emissora.

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