quinta-feira, junho 24, 2010


DONA

FLOR

E SEUS

DOIS

MARIDOS



EPISÓDIO Nº 154




Doutor Aluísio conhecera outras assim de modesta aparência, no esconso das casas, nas malhas de um código de honra, medieval. No entanto, surgindo ocasião propícia, contornavam com incomparável engenho óbices e temores, revelando-se peritas na tarefa de plantar chifres nos terríveis ferrabrases; de quando em vez um esposo traído impunha a lei com uns tiros ou umas punhaladas.

Em suas horas de ócio – a maior parte do seu tempo, pois o cartório pouco o exigia – o notário dedicava-se às mulheres, ao seu estudo e conhecimento (se possível, íntimo) levando o juiz de direito de Pilão Arcado, doutor Dival Pitombo, a classificá-lo como “emérito psicólogo, arguto confidente da alma feminina e erudito leitor das letras clássicas”.

As letras clássicas reduziam-se a traduções nacionais ou portuguesas, da mitologia grega, e de aspectos, em geral frascários da vida do Império Romano. Quanto às mulheres tinha o olho clínico, o que lhe rendera algumas aventuras e vasta fama de terror dos maridos, de sedutor irresistível. Apesar de careca e de narigão, algumas mulheres por enfrentaram o pecado, o código feudal, as leis da vingança.

Pois bem, esse olhar de lince do Casanova do rio São Francisco vasculhara de entrada o íntimo de dona Flor, varando-lhe o pensamento, apossando-se de seus segredos, após tê-la despido de roupas e adornos. Tão deslavado olhar não tinha outro sentido: seu Aluísio a desnudava por fora e por dentro e, em conclusão, achando-a a seu gosto, achava-a também desfrutável e até fácil. Para ele, dona Flor não era a viúva mais direita e honesta da Bahia, aquela eleita pelos bebedores no bar do Cabeça, aquela por quem até a mais maldosa das comadres botava a mão no fogo na certeza de retirá-la ilesa.

E por falar em mão, o rábula mantinha a que dona Flor lhe estendera presa entre as suas, apertando-a ligeiramente numa carícia quase insensível. Dona Flor deu-se conta de como a despia o tipo, do conceito em que a classificava, e da mão tomada como um penhor de posse. Tabaréu atrevido, cheio de empáfia e confiança: se dona Flor não reagisse logo, não lhe cortasse as asas em seguida, seria ele capaz mais adiante de qualquer intolerável ousadia. Brusca, fechando o rosto, retirou a mão. Não se deu por achado o sedutor das caatingas:

- Permita-me uma confissão minha estimada… Tendo interesses a discutir na capital, referentes à repartição que dirijo, e parentes a visitar, foi antes de tudo o desejo de conhecê-la que me trouxe a Salvador… Enaide, em suas cartas…

Mas dona Flor, vendo aparecer na sala dona Dagmar, sua aluna e amiga dos Sampaios, plantou ali mestre Aluísio:

- Com sua licença… Tenho de falar com aquela amiga…

Dona Dagmar, desinibida e boquirrota, foi logo perguntando:

- Quem é aquele papagaio pelado? Um pretendente?...

- Me deixe em paz, mulher… Aquele é o cunhado de Enaide, o tal doutor Aluísio, chefe político não sei onde…

- Ah!, é esse… Já ouvi falar nele… Dizem que manda um bocado no são Francisco… Menina, deixa eu comer qualquer coisa…

Na sala de jantar as mesas eram assaltadas pelos convivas num ruído de pratos e talheres, travessas de comida chegando cheias, voltando vazias para a cozinha. Um sucesso o jantar de aniversário de seu Sampaio.

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