quarta-feira, julho 14, 2010


DONA FLOR


E SEUS DOIS


MARIDOS

EPISÓDIO Nº 171




Verdade tão sabida e assente, por isso não foi ele alvo de burla e mexerico como os demais celibatários conhecidos, em toda essa história de dona Flor.

Dona Dinorá, imperatriz das xeretas e advinha, transitava diariamente em frente à Drogaria Científica; duas vezes por semana descobria a bunda flácida (ah!, o transitório da vaidade e da grandeza humanas: aquela mesma bunda chocha fora cantada em versos de rimas satânicas por mestre Robato, quando adolescente vate da escola demoníaca, custando sua visão e toque cheques e boladas a senhores ricos do comércio) frente ao farmacêutico para a dolorosa injeção anti-reumática, e nem assim seus olhos de vidente, capazes de antever o futuro, divisaram no moreno senhor a segurar-lhe a pelanca o soberbo quarentão da profecia. Porque sabia, e melhor que ninguém, como lhe era impossível tomar esposa.

Não por xibungo, por impotente ou por donzelo com quizila de mulher. Por Deus, que nem em pensamento surja suspeita dessa espécie, pois doutor Teodoro, homem pacífico, amável, de bom viver, era muito capaz de afastar-se do seu habitual comedimento e exibir sobejas provas da sua masculinidade, partindo as ventas do canalha capaz de injuriá-lo ao pôr em dúvida sua inteireza de homem.

De homem com muita serventia de macho, se bem discreto. Se alguém exigir sobre o assunto depoimento preciso e incontestável, basta entrevistar no Beco do Sapoti a pujante e asseada Otaviana das Dores ou Tavinha Manemolência, rompendo-lhe com uns cobres a reserva devida à sua selecta freguesia: dois desembargadores, três comerciantes da Cidade Baixa, um padre secular, um professor de medicina e o nosso excelente farmacêutico.

Por suas manifestas qualidades de limpeza, de discrição e de seriedade – mais bem uma senhora recebendo em sua casa tão acolhedora – Otaviana merecera a escolha e a frequentação do doutor Teodoro, infalível às quintas-feiras após o jantar. Os fregueses de Tavinha, elite sigilosa e preclara, eram de dia certo (ou noite certa), cada um com os seus hábitos e gostos, suas preferências – às vezes bem esquisitas como as do desembargador Lameira quase coprófilo – e a todos, competente e cómoda, ela atendia, dando-lhes completa satisfação. Aos varões normais e sem problemas, como doutor Teodoro e aos velhos sátiros, pururucas, come-bronhas, chupa umbigos, deixando regalados e contentes uns e outros.

Às vinte horas em ponto, cada quinta-feira, doutor Teodoro atravessava o batente da porta, sendo recebido com especial estima e cortesia. Aboletado em cadeira de balanço, com Otaviana a tricotar sapatinhos de nené, bebericando um licor de frutas, especialidade das freiras do convento da Lapa, mantinham doutor Teodoro e a mundana proveitoso diálogo, passando em revista os acontecimentos da semana, o noticiário dos jornais. Na convivência dos senhores ilustrados, adquirira Tavinha um verniz erudito, era de conversa agradável, uma intelectual, e no Beco do Sapoti consultavam-na a qualquer propósito. Ao demais, de muita moralidade, a criticar os costumes actuais, esse disparate que vai pelo mundo, devassa e incrédula juventude.

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