sexta-feira, julho 16, 2010


DONA
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS


Episódio Nº 173



No dia seguinte, na primeira folga, devolveu a palavra a Violeta Sá, sua prometida e nunca mais voltou a ter outra namorada. De alegria e diversão restou-lhe apenas o fagote, instrumento que aprendera ainda ginasiano, na Lira Municipal.

Tendo vendido a loja em Jequié, associara-se a decadente farmácia em Itapagipe, propriedade de um médico de triste fim: numa senilidade precoce cometera os maiores desatinos, obrigando a família a interná-lo. Doutor Teodoro alugou casa por ali perto e viveu exclusivamente para o trabalho e para a mãe entrevada, inútil numa cadeira de rodas, o olhar de espanto, a voz rouca e difícil, ciumenta do filho. Sentando-se ao seu lado, à noite, ensaiava ele solos de fagote, para suavizar a terrível solidão da enferma.

Durante anos e anos mal saiu do bairro, onde se fez popular e estimado. Tendo conhecido o músico Agenor Gomes, ingressou com o seu fagote na orquestra de amadores que, em torno ao competente maestro, reunia médicos, engenheiros, um juiz, um balconista, dois lojistas. Aos domingos, ora na casa de um ora na de outro, juntavam-se a tocar, felizes com seus instrumentos e suas composições.

Sob a direcção do jovem titular, retornou a farmácia à sua antiga prosperidade e a fama de homem correcto e bom do doutor Teodoro se impôs e só fez crescer com o tempo.

Muitas pretendentes rondaram o fagote do moço farmacêutico, mas ele, sério e incapaz de roubar tempo a moça casadoira, a nenhuma deu trela ou esperança. Finuras de namorados reservava-as todas para a paralítica: flores, caixas de chocolate, lembranças delicadas e uma sonata composta pelo maestro em homenagem àquela devoção de filho e mãe: “Tardes de Itapagipe com o amor materno”.

O médico insano morreu sem recuperar-se, doutor Teodoro tratou do inventário, resolvendo os diversos problemas como se cuidasse de bens de gente sua. Talvez por isso a viúva imaginou casá-lo com a filha mais moça, uma catraia assustadora. Por sorte, a promessa impedia doutor Teodoro, porque se assim não fosse era capaz de ver-se de súbito esposo do mostrengo, de tal forma era impositiva a viúva. Já o tratava como sogra, dispondo sobre sua vida. Num alarme, doutor Teodoro só teve um recurso: passar adiante sua parte na sociedade, retirando-se da farmácia e da ameaça de noivado.

Quando se interrogava o que fazer com o dinheiro recebido, um seu conhecido (seu e nosso, pois já em outra ocasião o vimos, ao volante, na rua Chile, quase atropelando dona Rozilda e ainda lhe dizendo régios desaforos, aquele esperto representante de drogas e laboratórios, Rosalvo Medeiros) deu-lhe uma deixa de primeira: a Drogaria Científica, estabelecimento próspero, num ponto formidável, estava sendo objecto de uma dessas sórdidas lutas de herdeiros num inventário litigioso, torpe briga de família. Óptima oportunidade para alguém com dinheiro; podia fazer um negócio e tanto.

Assim o fez doutor Teodoro, adquirindo as partes de dois dos cinco herdeiros, à vista e a prazo.

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