quarta-feira, julho 07, 2010


ENTREVISTAS


FICTÍCIAS


COM JESUS CRISTO



Entrevista Nº 39


TEMA – Violência Contra as Mulheres


Raquel – Emissoras Latinas chega hoje, com Jesus Cristo, a Jerusalém. Ele quis, neste reencontro com a capital do seu país natal, percorrer as estreitas e pitorescas ruas do bairro árabe. Alguma recordação especial?

Jesus – Ainda que muito mudado, parece-me que foi por aqui que arrastaram aquela pobre mulher…

Raquel – A história da adúltera?

Jesus – A história de Joana, ainda recordo o seu nome.

Raquel – Eu lembro-me do filme, quando a mulher é descoberta em flagrante pelo marido e atirada para a rua meio nua e consegue escapar a ser apedrejada por uma multidão enfurecida graças à oportuna intervenção do senhor, Jesus Cristo…

Jesus – Aquilo foi um escândalo…

Raquel – Sim, uma história mais própria de uma crónica sensacionalista do que de um texto evangélico.

Jesus – Não, eu falo de um escândalo noutro sentido. As leis religiosas do meu país castigavam o adultério com a morte, mas os homens aplicavam essas leis com duas varas distintas.

Raquel – Aplicavam-nas em seu favor, imagino, como os homens sempre fazem. Desculpe, não me referia ao senhor, mas é que…

Diziam que o homem só cometia adultério se enganava a sua mulher com outra mulher casada. Se a enganassem com uma solteira, viúva, divorciada, prostituta ou uma escrava, não cometia adultério e ninguém o castigava. À mulher a mediam com outra vara: com qualquer homem que o fizesse era adultério.

Raquel – E sempre a matavam?

Jesus – Sim, à pedrada. E como o adultério era um crime público toda a comunidade saía a atirar-lhe pedras.

Raquel – Uma lei selvagem… que em alguns países islâmicos ainda está em vigor…

Jesus – Cometiam-se grandes injustiças. Falatórios e calúnias terminavam com a morte de mulheres inocentes. Muitos daqueles que atiravam pedras haviam passado a vida a enganar as suas mulheres. Injustos que saíam a fazer justiça… e em nome de Deus!

Raquel – Sempre me impressionou aquilo que o senhor fez. Foi muito compreensivo perdoando àquela mulher…

Jesus – E por que não perdoaria? A árvore da infidelidade pode ter muitas raízes… A mim foi a quem não perdoaram.

Raquel – Quem? Os velhos, que ficaram com vontade de atirar as pedras?

Jesus – Não. Pedro, Santiago, João, os do movimento. Estavam muito zangados comigo e reclamaram. Tropeçaram na verdadeira pedra do escândalo e, essa pedra, eram as leis do meu povo que tanto mal faziam às mulheres.

Raquel – Foi esse o primeiro caso que o senhor conheceu de uma mulher a ponto de ser apedrejada?

Jesus – Não. As lapidações das mulheres eram frequentes… já as tinha visto outras vezes… Posso pedir-te um favor, Raquel?

Raquel – Certamente. De que se trata?

Jesus – Quero dizer algo a todos que nos escutam…

Raquel – Prossiga, Jesus Cristo, os microfones são seus.

Jesus – Eu também pequei, Raquel. Eu ofendi Deus. Apesar de saber desde criança que isto se passava, apesar de conhecer de perto esta crueldade, nunca fiz nada para detê-la. Mas naquele dia, aquela mulher, Deus abriu-me os olhos. Naquele dia entendi que as leis e as tradições que ofendem as mulheres ofendem a Deus. Que a violência contra as mulheres é a violência contra Deus.

Raquel – Obrigado, Mestre, em nome de todas as mulheres que nos escutam.

De Jerusalém, perto daquela que foi chamada “Porta do Ângulo” Raquel Perez, Emissoras Latinas.



NOTA

Um Relato Muito Escandaloso

– O relato de Jesus e da adúltera só aparece em um dos quatro evangelhos, o de João e, mesmo neste, não em todos os manuscritos que contêm este Evangelho.

Alguns especialistas nesta matéria explicam esta supressão nos restantes Evangelhos porque a posição de Jesus perante a “pecadora”, a sua flexibilidade, o seu desafio à lei religiosa que ordenava o apedrejamento, foi considerada excessiva e até escandalosa para as primeiras comunidades judaico-cristãs, educadas numa cultura discriminadora das mulheres.

Em Cristo, Não Há Homem Nem Mulher

- A violência contra as mulheres tem as suas raízes mais profundas nas religiões patriarcais e o Judaísmo do tempo de Jesus era totalmente patriarcal. Por isso, a atitude de Jesus para com as mulheres resultaram num escândalo. Não esqueçamos que, etimologicamente, a palavra “escândalo” significa a “pedra em que se tropeça”.

No entanto, apesar dos tropeços e dos ensinamentos de Jesus baseados na igualdade entre os seres humanos e, portanto, entre homens e mulheres, essas desigualdades não puderam ser totalmente suprimidas.

Lembremo-nos que a força da tradição judaica era muito forte neste capítulo. Diariamente eles rezavam a seguinte oração: “Bendito sejas, Senhor, por me teres feito judeu e não gentio, por me teres feito livre e não escravo, por me fazeres homem e não mulher”

Mas Paulo, embora de formação judaica tradicional, proferiu a seguinte frase, dentro da linha de pensamento de Jesus e que, igualmente, provocou impacto naquele meio e naquele tempo: “Em Cristo não há judeu nem grego, não há servo nem livre, não há homem nem mulher, porque todos são iguais em Jesus Cristo” (Gálatas 3,26-28).

A Lapidação: Uma Tortura

- A lapidação ou apedrejamento é um método de execução muito antigo e constitui uma tortura porque é uma forma de morte lenta e cheia de sofrimento. O executado é amarrado e enterrado até à cintura para que não possa fugir.

O progressivo avanço da humanidade no que aos direitos humanos diz respeito, fizeram desaparecer das legislações esta tortura cruel. Na Sharia, Direito Islâmico, existem delitos sexuais, como o adultério das mulheres, que ainda hoje se castigam com a lapidação das mulheres como no tempo de Jesus. Segundo a Amnistia Internacional conhecem-se casos na Nigéria (2006) e outros no Afeganistão, no Irão, e Iraque. Leiam, a propósito deste tema, a obra da escritora marroquina Fátima Mernisi “O Harém no Ocidente”.

Actualmente, o cristianismo continua a descriminar as mulheres. Para se perceber essa descriminação na Igreja Católica, o actual Papa Bento XVI, em 2004, então Cardeal Ratzinger, na qualidade de Perfeito da Doutrina e da Fé, sob o pertencioso título “Carta aos Bispos da Igreja Católica sobre a colaboração do homem e da mulher na igreja e no mundo” dizia o seguinte referindo-se à mulher:

- “É ela que, nas situações mais desesperadas, possui uma capacidade única para resistir às adversidades de tornar a vida, todavia, possível, incluindo em situações extremas, conservando um tenaz sentido do futuro e, por último, de recordar com lágrimas o preço de dar a vida humana.”

Como se vê, nem uma palavra ou uma linha de reflexão ou condenação à violência contra as mulheres, um tema que é hoje objecto de preocupação, debate, investigação e acção em todo o mundo. Em vez disso, o actual Papa ressalta o papel da mulher na sociedade actual como suporte do sofrimento à custa da sua própria vida e de aguentar sem desesperar… ou seja, as mulheres devem continuar a suportar em silêncio a violência contra elas. Em vez de denunciar, devem aguentar, em vez de libertarem-se, devem ter paciência.

Jesus Filho do Seu Tempo

- Como todos os seres humanos, Jesus foi filho do seu tempo e do seu meio. O seu país estava, então, submerso numa cultura e costumes patriarcais profundamente discriminatórios das mulheres e uma das suas grandes originalidades, de todas a maior, foi a de revoltar-se contra essa cultura que ofendia a sua sensibilidade e sentido de justiça.

Jesus foi filho do seu tempo mas adiantou-se a ele, criou um tempo novo. Ser filho de um tempo é nascer numa sociedade que adoptou comportamentos, forjou leis e costumes que a moldaram e como que anestesiaram. Jesus despertou dessa anestesia quando disse: “a violência contra as mulheres é a violência contra Deus”. Estava, com esta afirmação, a romper com uma cultura, a iniciar a mudança para uma nova cultura, invocando a vontade de Deus, é verdade, mas sem beliscar a sua enorme coragem e coerência para com uma ética e princípios de justiça que lhe custaram a vida.

Pensou melhor e diferente de todos os homens do seu tempo. Por isso foi morto, mas terá dado o maior contributo de todos os contributos para uma humanidade mais justa e humana.

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