DONA FLOR
E SEU DOIS
MARIDOS
MARIDOS
Episódio Nº 195
Nada de fechar a escola, meu querido, se me quiser é com a Sabor e Arte funcionando; tenha a santa paciência, não lhe satisfaço essa vontade, peça outra coisa, lhe cubro de mil beijos, me atiro nos seus braços, mas a escola não lhe dou de dote, é minha garantia. Você entende, Teodoro?
Nem era trabalho tamanho, de matar ninguém. Ao contrário, um prazer, um entretenimento: ajudara-lhe a suportar o tempo vazio da viuvez e antes, ah!, nos anos do primeiro matrimónio, impedira seu desespero. Nas aulas e alunas encontrou conforto para suportar os dias negros e confusos.
Quantas excelentes amigas não fizera em torno do fogão e do livro de receitas, mais valiosas ainda do que o dinheiro? Não, não abria mão de escola, seu ganha-pão e honesto passa tempo.
Enquanto o doutor estivesse na farmácia (e ele saía antes das oito, vinha para o almoço e a sesta, voltava, lá se demorando até depois das seis da tarde), era a escola agradável e lucrativa ocupação. Sem as aulas de culinária me diga, seu doutor, em que empregar o tempo vago? Em cochichos e mexericos com as comadres, sob as ordens de dona Dinorá, no torpe ofício de palmatória do mundo, de xereta da vida alheia? Ou de bruços na janela, manequim numa vitrine para recreio dos passantes, ouvindo pachouchadas, tirando prosa com uns e outros, logo na boca do mundo com fama de espoleta?
Havia quem gostasse desse exibido ócio, dessa saliência. Mesmo ali na rua, bem na esquina, na moldura da janela transcorria seu tempo dona Magnólia, sarará metida a loira à custa de macela, com seu sorriso fixo de bebé de celulóide, pinta na face esquerda, olhos de cabra morta. Ali posta em chamariz o dia inteiro, toda nos berliques e berloques e no frete manso dos passantes. Vizinha recente, mudara-se há pouco tempo com o marido, um secreta da polícia, galhardo em sua jactância e em seus belos chifres.
Segundo dona Dinorá e outras comadres de faro fino e informação precisa, era o detective amásio e não marido, em herança obtivera a fulva Magnólia de antecessores de posição diversa e qualidade vária, mas todos, sem excepção, igualmente cornos, numa constância e coerência dignas de todos os louvores.
Se dona Flor jamais fora janeleira nem de arengas, como ocupar seu tempo, meu doutor? Ela a queria com as alunas na escola ou a exibir-se pela Rua do Chile, caminho certo, atalho curto para os castelos ali pertinho, nas transversais da Ajuda? Guardasse seus poréns, não repetisse tal proposta, dona Flor tinha orgulho na escola, de sua fama, de seu bom conceito. Custara-lhe esforço e perseverança esse renome, um capital.
Conformou-se o doutor mas deixando desde logo claramente expresso e combinado a ele competir todas as despesas da casa e as pessoais de dona Flor, a ele só, com seu dinheiro. Os lucros da escola eram exclusivamente dela e ele não os admitiria nas despesas do casal.
Aliás, quanto a esse dinheiro, tomou doutor outras providências. Um absurdo, um convite aos ladrões tê-lo em casa, junto às válvulas do rádio ou metido numa velha caixa de sapatos ou por detrás do espelho da penteadeira ou sob o colchão, hábito de cigano, costume de gentinha. Sobretudo agora, quando esse dinheiro incólume avolumava-se mensalmente em maquia respeitável. Doutor Teodoro foi com dona Flor à Caixa Económica e ali abriu uma caderneta em nome pessoal da esposa, onde ela passou a depositar suas economias.
- Assim lhe rende juros, minha querida, três por cento, sempre é alguma coisa. E, na Caixa, seu dinheiro está garantido, sem o perigo dos ladrões.
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home