quinta-feira, agosto 05, 2010


DONA
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS


EPISÓDIO Nº 190




Soube, no entanto, ir de a - passo com dona Flor no crescer de sua entrega, todo esse jogo lhe sendo de extremo gozo, num prazer como jamais sentira, nem mesmo quando, mais para atender a capricho de Tavinha em noites de manemolência do que por iniciativa própria, se dera a certas licenciosas práticas, dessas que um homem pode permitir-se com mundana ou prostituta, jamais com a esposa. Com a esposa é diferente, para ela se reserva o amor feito de matérias limpas, serena posse, quase secreta, digamos pura, recatada. Mas nem por assim tão recatada, menos prazerosa, como constatou doutor Teodoro ao ouvir dona Flor num suspiro grato murmurar-lhe o nome:

- Teodoro, meu amor…

Apressou-se em alcança-la e a alcançou, pois juntos se encontraram finalmente unidos em estreito abraço e num beijo fundo. Envoltos em ais, suspiros e langor, e em frio, pois o lençol, no acesso daquele embate, resvalara cama abaixo, deixando os esposos descompostos, dona Flor desabrochada em mel, de vergonha à mostra (e que galanteza de vergonha!, como em relance tímido, de esguelha, deu-se conta doutor Teodoro.).

Agradecido de tantos bens e gozo, beijou-o na face em febre e lhe cobriu o corpo e o frio com o pudico lençol e colcha quente. Então, por fim, pôde lhe dizer tudo quanto queria e o disse com todas as veras da alma, feliz esposo:

- Nossa lua-de-mel vai durar tempo infinito… Serei fiel a você a vida inteira, minha querida, jamais olharei outra mulher, vou lhe amar até à hora da minha morte.

- Amem – repetiam sapos e jias na noite de lua e núpcias de Paripe – Amem! Amem! – dir-se-ia um solo de fagote.

- Eu também, a vida inteira – afirmou ela, convicta de sua afirmativa, satisfeita e salva da aflição, mas não cansada; muito ao contrário, capaz de novas correrias, se a quisesse esporear.

Mas doutor Teodoro se compunha sob o lençol e a colcha, comentando:

- Engraçado… Quando dona Filo, há pouco quis nos obrigar a comer, não tive fome. Agora, no entanto, era capaz de mastigar um doce, uma besteira…

- Se quiser vou lá dentro buscar alguma coisa. Tem tanto doce e tanta fruta… Vou…

- De forma alguma… Nem pense nisso.

Dera-se conta: não era fome e, sim, o costume do prato com guloseimas, antes de sair da noite de Tavinha, o estômago viciado reclamara. Profanar as relações com a esposa, nelas mantendo hábito provindo de cãs pública de mulher-dama, Deus o livre e guarde. Num último e casto beijo, despediu-se:

- Vá dormir, querida, você deve estar morta de cansada, foi um dia fatigante…

Quase lhe diz: … “foi noite fatigante…” mas, ainda temeroso de ofendê-la, guardou a malícia para si, acomodou-se e em seguida adormeceu.

Dona Flor não dormiu logo; em verdade contara com a noite em claro, até a madrugada, em acampamento de fogueiras, a correr quilómetros de leito na montaria de seu corpo. Junto a ela, doutor Teodoro ressonava, densa respiração, ronco potente. Aquele ronco completou sua fisionomia de homem; forte, nobre e belo homem, seu esposo.

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