segunda-feira, agosto 16, 2010


DONA
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS

Episódio Nº 199



Ao regressar da Nazareth das Farinhas, após larga permanência na Bahia, dona Rozilda, testemunha atenta dos primeiros tempos da nova vida matrimonial de dona Flor, confidenciava a dona Norma suas preocupações e incertezas.

Genro óptimo sobre todos os aspectos, doutor Teodoro. Sobre isso nenhuma dúvida. Mas estaria dona Flor à altura de consorte de tantas qualidades? Por que não? – picara-se dona Norma, leal à amiga, não lhe admitindo a menor crítica. Dona Flor, em sua opinião, era digna do marido mais perfeito, do mais belo e rico.

Em dona Rozilda, porém, não se erguia a flama do mesmo ardente entusiasmo. Apesar de mãe e por isso inclinada a desculpar e a favorecer a filha, não lhe encontrava o elã necessário para a escalada por fim possível, não a sentia ávida de influência social, capaz de aproveitar-se da posição do marido, de seu crédito, de sua respeitabilidade, de suas relações. Tivesse ela saído a dona Rozilda, e agora, apoiada ao braço do doutor, galgaria facilmente as salas, ou jardins, a intimidade dos palacetes da Graça e da Barra, conviva da melhor gente da Bahia, da elite, sonho da velha senhora. Não fora já dona Flor apresentada aos Taveiras Pires, não lhe beijara a mão o milionário Adriano, vulgo Cavalo Pampa, não a distinguira com asqueroso e complacente sorriso dona Imaculada, a primeiríssima dama da sociedade, ditadora da elegância?

Que fazia, no entanto, dona Flor para corresponder a essas oportunidades devidas ao título de doutor, à drogaria florescente, ao fagote mavioso?

Nada, três vezes nada. Ao contrário, continuava a dar aulas de culinária como uma pobretona necessitada, apesar dessa actividade repercutir negativamente sobre o prestígio social do marido (marido cuja mulher trabalha ou está mal da vida ou é sórdido avarento, assim rezava a cartilha de dona Rozilda); continuava naquela casa pequena quando podiam ter endereço bem mais cómodo e em rua distinta.

Desculpasse dona Norma pois não o dizia dona Rozilda com intenção de humilhar ninguém, mas aquelas ruas por ali, se tinham sido elegantes e mesmo nobres noutros tempos, nos dias de hoje eram artérias de gentinha, com algumas poucas excepções. Naqueles becos, senhoras de sociedade e representação, constatava venenosa a xereta, podiam ser apontadas a dedo. A mulher do argentino, dona Nancy, realmente de classe e boa raça, e quem mais? – inquiria, olhando provocativa a amiga de dona Flor:

- O resto… uma cambada…

Pior endereço só mesmo o Rio Vermelho, com sua lonjura e seus capadócios, onde a irmã e o cunhado teimavam em residir, um fim-de-mundo, quase subúrbio e ordinário, onde os homens aos domingos exibiam-se pelas ruas em pijamas e chinelos, um horror. Dona Laurita, a esposa do doutor Luís Henrique, indo visitar dona Lita, escandalizara-se com aquele indecente footing matinal, indecoroso desfile de pijamas de um mau gosto obsceno. Dona Laurita externou sua indignação com palavras de asco:

- Não sei como se pode morar num lugar assim, onde até os ricos ficam parecendo pobres, tudo uma ralé…

Mas, voltando à vaca fria, qual a situação do novo casal? Doutor Teodoro, doido por mudar de casa, e ela, dona Flor, a toleirona, obstinada ali naquele buraco. Dona Rozilda sacudia a cabeça:

- Que nasce para dez-réis não chega a vintém…

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