quarta-feira, agosto 25, 2010

DONA

FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS


EPISÒDIO Nº 207



No campo oposto, defendendo a industrialização dos remédios (e até sua nacionalização), de acordo com os tempos modernos e a técnica avançada, dona Flor teria ocasião de ouvir o doutor Sinval Costa Lima, cujas descobertas relativas às faculdades medicinais da jurubeba lhe haviam dado amplo renome, e a palavra fluente e arrebatada do célebre Emílio Diniz. Nem por seu adversário naquele debate, negava o íntegro doutor Teodoro o talento fulgurante do professor Diniz:

- É um Demóstenes! Um Prado Valadares!

Igualmente forte de intelectos o partido em cujas combativas fileiras científicas se alinhara o nosso caro Madureira, bastando citar o nome do doutor Antiógenes Dias, ex-director da faculdade, autor de livros, velhinho de oitenta e oito anos, mas ainda com forças para afirmar:

- Remédio feito por máquina não entra em minha farmácia…

Não se metia com sua farmácia há mais de vinte anos e os filhos não só compravam e vendiam remédios manufacturados como eram representantes na Bahia de poderosos laboratórios de São Paulo. “O velho está caduco”, explicavam.

Tinham talvez razão os ingratos, andava o velho de miolo mole, rindo á toa.

Mas, lúcidos e competentes eram os doutores Arlindo Pessoa e Melo Nobre – duas cabeças de primeiríssima – e o próprio doutor Teodoro, cujo nome não deve ser objecto de injusto esquecimento pelo simples facto de o termos como preclaro herói desta despretensiosa crónica de costumes. Sobretudo quando ele próprio confessou à esposa possuir completo domínio da matéria em debate, ressalvando mais uma vez a importância da Assembleia: devia dona Flor considerar-se uma felizarda por ter ocasião de presenciar o histórico debate.

Histórico e académico pois como o próprio doutor Teodoro dissera a dona Flor, nem ele nem os mais ardentes defensores do receituário manipulado deixavam de adquirir para suas farmácias os produtos dos laboratórios. Como fazer frente à concorrência, se desprovessem seus estabelecimentos dessas malditas drogas tão em moda? Sua posição no debate era assim puramente de princípios, gratuita, teórica, nada tendo a ver com as exigências práticas do comércio, pois nem sempre, minha querida Flor, é possível conciliar teoria e prática, a vida tem sórdidas implicâncias.

Não quis dona Flor aprofundar essa contradição entre teoria e prática, aceitando a assertiva do doutor: “exactamente por isso é ainda mais louvável a posição dos que defendem o receituário tradicional”. Quanto a ela, era de pouco remédio e muita saúde, não se lembrando de quando estivera doente (a não ser a insónia de viúva).

Foi realmente noite memorável, como anunciara doutor Teodoro e deram conta as gazetas. Breve, reduzida conta – ao ver suas decisivas alocuções e todas as demais espremidas numa frase incolor com nomes incompletos: “intervieram na discussão, entre outros, os doutores Carvalho Costa Lima, E. Diniz, Madureira, Pessoa, Nobre, Trigueiros. Só o discurso do doutor Frederico Becker merecera algum destaque, louvores “à sua clareza de exposição, seus valiosos conhecimentos, a lógica do seu raciocínio.” Por que tanto desprezo da imprensa pela cultura, por que tamanha economia de espaço – reagia doutor Teodoro – quando sobravam páginas para os crimes mais hediondos e para os escândalos nudísticos das estrelas de cinema, seus divórcios
absurdos,
péssimo exemplo para as nossas mocinhas.

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