terça-feira, setembro 28, 2010

DONA
FLOR
E DSEUS
DOIS
MARIDOS


Episódio Nº 236


Dona Norma pediu cinco minutos apenas, o tempo necessário para emborcar mais uma taça de champanhe. “adoro”.

Emborcou duas e no táxi sem saber por quê, contente da vida. Dona Norma tomara entre as suas as mãos do seu marido, seu bom marido. Comentaram o concerto e a festa, ambos magníficos. Tanta coisa de comer e de beber, tudo do melhor, o comendador gastara um dinheirão.

- Um exagero… - disse o doutor. – Até caviar… do verdadeiro, russo…

Dona Norma, no bem-estar do champanhe, piscou o olho para dona Flor e dirigiu-se a doutor Teodoro numa voz de malícia só compreensível a elas as duas:

- E caviar lhe agrada doutor?

- Sei que é acepipe para deuses, ainda hoje provei, porque não se deve perder uma ocasião como essa, quando se pode comer manjar tão caro. Mas vou lhe confessar, dona Norma, não consigo adaptar o meu paladar ao gosto…

- E que gosto o senhor acha que tem o caviar?

Sorria pícara dona Norma, numa euforia descontraída. Dona Flor baixara a cabeça, quem sabe para esconder um sorriso motejo. Doutor Teodoro procurou com que comparar o gosto ainda recente da iguaria, nada encontrando:

- Para ser franco não recordo nada com o mesmo gosto. Aqui para nós que ninguém nos ouça, que gosto mais ruim!

- Ruim? – desmanchava-se em riso dona Norma – Eu também acho… Mas há quem ache bom, não é mesmo, Flor?

Mas dona Flor não ria, na sombra a face circunspecta, quem sabe triste, ou apenas comovida? Fitava a noite como se não ouvisse o riso da amiga. Apertando a mão do marido lhe disse a meia voz:

- Uma beleza a música e a tua execução, Teodoro.

- Melhor não sei fazer… sou um amador, mais nada.

Para que melhor. Quem sou eu para exigir de ti, querido meu, seja o que seja.

Que trouxe eu, que bens coloquei no meu prato da balança conjugal para equilibrar com o teu, tão pleno: do dinheiro à romanza no fagote, do saber à fina educação, e essa limpidez, essa decência? Nada te trouxe, nada te acrescentei, e não sou translúcida e perene, não tenho essa tua luz meridiana, sou feita também de sombras, de matéria nocturna e transitória. Sou tão pequena para a tua altura, Teodoro.

No abrigo de bondes, esperando transporte, Urbano Pobre Homem os viu passar. Nas mãos a caixa do violino e um embrulho com salgados e doces para siá Maricota.

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