DONA
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS
Aplausos infindáveis quando terminou. De pé no anfiteatro, apontando para o maestro e para os colegas da orquestra, curvado agradecia seu Adriano. Gritavam bravos e bis, e não apenas os entendidos, os da curriola da música. Gritavam todos, destacando-se pela força das palmas e dos “bravos” o agiota Alírio de Almeida, que de música não o entendia neres: estavam seus negócios na dependência de uma palavra do Cavalo Pampa.
Como disse depois o Pobre Homem, o número do comendador deveria ter sido o último do programa, pois, após ele, muitos convidados abandonaram a orquestra no jardim, foram para as salas beber e conversar. Os que sentados nas cadeiras não se atreviam a sair, ouviram o resto do concerto desatentos e alguns com certa impaciência. De quando em vez, um deles se enchia de coragem e, pedindo desculpas aos vizinhos, dava o fora, indo se regalar no interior do palacete.
Os Filhos de Orfeu, porém, nem percebiam essas deserções, prosseguindo com a mesma afinação e qualidade. Os devotos da música, sim, incomodavam-se com o movimento e o cochicheio a aumentar. Dona Norma fez “psiu”, voltando-se para trás quando doutor Teodoro iniciou seu solo de fagote (os olhos na direcção de dona Flor). Dona Imaculada atenta anfitrioa, voltou-se também e fitou com o seu lornhão os impacientes. Foi quanto bastou: fez-se o silêncio e ninguém mais teve a ousadia de querer se levantar.
Os sons do fagote cresciam no ar, sobrevoavam o jardim, vinham tecer um halo de amor em torno dos cabelos de tão negros quase azuis de Dona Flor.
Dona Flor semicerrara os olhos, ouvindo e reconhecendo através daquele solo de romanza quanto ele lhe dera um bom marido.
Ali estava ela onde nunca imaginara, sentada nos jardins da casa mais aristocrata da Bahia, tendo a seu lado a ouvir complacente, Sua Eminência, o Senhor Arcebispo Primaz, com sua púrpura e seu arminho.
Tanto lhe dera, tanto: paz e segurança, tranquilidade, ordem e conforto, quanto ela desejou e ele pôde adivinhar, projecção e nem um só desgosto, nem um sobressalto. Agora ia buscar no ventre magro do fagote a grave nota de seu amor, de sua devoção. Ninguém poderia desejar melhor marido.
Dona Norma, na hora de aplaudir, olhou para a amiga: havia uma lágrima na face de dona Flor. “Lágrimas de felicidade”, sorria a boa vizinha, contente também com o sucesso do doutor:
- Doutor Teodoro tocou divinamente…
A própria dona Imaculada, da cadeira próxima, dignou-se elogiar:
- Seu marido saiu-se muito bem…
Na grande sala de recepções as danças começaram apenas os sons da orquestra, no pot-pourri da Viúva Alegre, derradeiro número. No jardim, os ouvintes, à frente o Primaz, cumprimentavam o maestro e os músicos, cercando o comendador. Dona Flor não apagara a lágrima da face, e o doutor ao vê-la comovida, se deu por bem pago dos seis meses de ensaio.
Da sala vinham em busca de Hélio Basto para debulhar ao piano sambas e foxes, tangos e boleros, improvisavam um arrasta-pé. Doutor Teodoro de fagote em punho, propôs a retirada: mais de meia-noite…
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS
Episódio Nº 235
Aplausos infindáveis quando terminou. De pé no anfiteatro, apontando para o maestro e para os colegas da orquestra, curvado agradecia seu Adriano. Gritavam bravos e bis, e não apenas os entendidos, os da curriola da música. Gritavam todos, destacando-se pela força das palmas e dos “bravos” o agiota Alírio de Almeida, que de música não o entendia neres: estavam seus negócios na dependência de uma palavra do Cavalo Pampa.
Como disse depois o Pobre Homem, o número do comendador deveria ter sido o último do programa, pois, após ele, muitos convidados abandonaram a orquestra no jardim, foram para as salas beber e conversar. Os que sentados nas cadeiras não se atreviam a sair, ouviram o resto do concerto desatentos e alguns com certa impaciência. De quando em vez, um deles se enchia de coragem e, pedindo desculpas aos vizinhos, dava o fora, indo se regalar no interior do palacete.
Os Filhos de Orfeu, porém, nem percebiam essas deserções, prosseguindo com a mesma afinação e qualidade. Os devotos da música, sim, incomodavam-se com o movimento e o cochicheio a aumentar. Dona Norma fez “psiu”, voltando-se para trás quando doutor Teodoro iniciou seu solo de fagote (os olhos na direcção de dona Flor). Dona Imaculada atenta anfitrioa, voltou-se também e fitou com o seu lornhão os impacientes. Foi quanto bastou: fez-se o silêncio e ninguém mais teve a ousadia de querer se levantar.
Os sons do fagote cresciam no ar, sobrevoavam o jardim, vinham tecer um halo de amor em torno dos cabelos de tão negros quase azuis de Dona Flor.
Dona Flor semicerrara os olhos, ouvindo e reconhecendo através daquele solo de romanza quanto ele lhe dera um bom marido.
Ali estava ela onde nunca imaginara, sentada nos jardins da casa mais aristocrata da Bahia, tendo a seu lado a ouvir complacente, Sua Eminência, o Senhor Arcebispo Primaz, com sua púrpura e seu arminho.
Tanto lhe dera, tanto: paz e segurança, tranquilidade, ordem e conforto, quanto ela desejou e ele pôde adivinhar, projecção e nem um só desgosto, nem um sobressalto. Agora ia buscar no ventre magro do fagote a grave nota de seu amor, de sua devoção. Ninguém poderia desejar melhor marido.
Dona Norma, na hora de aplaudir, olhou para a amiga: havia uma lágrima na face de dona Flor. “Lágrimas de felicidade”, sorria a boa vizinha, contente também com o sucesso do doutor:
- Doutor Teodoro tocou divinamente…
A própria dona Imaculada, da cadeira próxima, dignou-se elogiar:
- Seu marido saiu-se muito bem…
Na grande sala de recepções as danças começaram apenas os sons da orquestra, no pot-pourri da Viúva Alegre, derradeiro número. No jardim, os ouvintes, à frente o Primaz, cumprimentavam o maestro e os músicos, cercando o comendador. Dona Flor não apagara a lágrima da face, e o doutor ao vê-la comovida, se deu por bem pago dos seis meses de ensaio.
Da sala vinham em busca de Hélio Basto para debulhar ao piano sambas e foxes, tangos e boleros, improvisavam um arrasta-pé. Doutor Teodoro de fagote em punho, propôs a retirada: mais de meia-noite…
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