segunda-feira, novembro 08, 2010


DONA
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS


Episódio Nº 264



António Dedinho, o crupiê, preparava o cahier de seis baralhos para recomeçar o jogo. As caras em derredor eram de perdedores, não reflectiam entusiasmo, a sorte toda para a casa. Nem um só amigo a quem Arigof pudesse afanar ficha ou dinheiro. António dedinho anunciou uma banca de cem contos, e virou duas cartas sobre a mesa: a dama e o rei.

- Na dama… - ouviu Arigof a ordem de Vadinho.

Ninguém para lhe emprestar sequer cinco mil-réis. Havia um homem bem-vestido, alinhado num terno branco, fichas na mão, ar de habitué mas desconhecido por ali; talvez do interior. Arigof retirou da gravata o alfinete vistoso, uma chave atravessando o coração, presente de Teresa. Mas o ouro era metal dourado e os brilhantes vidro sem valor, assim o desmoralizara o espanhol do Sete, recusando-se a recebê-lo em empenho.

Exibindo a prenda, Arigof dirigiu-se para o ricaço de terno branco.

- Meu distinto, empresta-me uma ficha, uma qualquer, e fique com esta jóia de garantia. Já lhe pagarei, meu nome é Arigof e aqui todos me conhecem.

O lorde lhe estendeu uma ficha de cem:

- Guarde seu broche, se ganhar me paga e lhe desejo sorte.

A ficha sobre a dama. Arigof esperou sozinho, pois da roda ninguém quis arriscar, num desânimo. Nem o homem de branco, preferindo peruar o jogo. António Dedinho virou a primeira carta e foi logo dama. Arigof recolheu as fichas. Dedinho volteou novas cartas e, por coincidência, repetiram-se o rei e a dama. Novamente Arigof pôs seu dinheiro nas mãos da dama.

António Dedinho puxou uma carta do cahier e, maior coincidência ainda, essa primeira carta era de novo a dama. Novas cartas e crescendo a coincidência, já agora digna de nota: pela terceira vez foram vistos na mesa a dama e o rei. Arigof firme na dama e junto com ele apostou o homem de branco. Chegaram os primeiros curiosos. António Dedinho tirou a carta do cahier e, por mais incrível, a terceira carta, era a dama. Por sinal de ouros, a lembrar Teresa. “Meu Deus” disse uma rapariga, nervosa.

Nervosa não só pelo facto de ter-se repetido a dama por três vezes, sobre a mesa de apostas sempre as mesmas cartas: dama e rei.

Não por três vezes, mas por doze caíram sobre a mesa a dama e o rei e por doze vezes acudiu a dama ao chamado de Arigof e era sempre a primeira carta a ser virada. Agora, não só o homem de branco mas vários outros apostavam no palpite do negro, que punha três contos em todas as paradas, o máximo permitido.

Pálido de morte, o medo no coração, António Dedinho preparou um novo cahier. Lulu, o fiscal, da sala estava agora ao lado de Dedinho e seguia atento o baralhar das cartas. Em torno à mesa crescia o grupo agitado. Vinha gente do bacará e da roleta.

António Dedinho exibiu o cahier aos jogadores, dele retirando duas cartas: cresceu sua palidez, tremeram as mãos pois as cartas eram a dama e o rei. Arigof sorriu: quebrara o azar, rompera o ebó e fora buscar a sorte com as mãos e os dentes e com a lembrança de Vadinho. Se houvesse outro mundo, se ficassem os mortos por aí além, vagando no céu ou no espaço, como diziam certos especialistas no assunto, então talvez Vadinho o estivesse a ver do alto da lua derramada em ouro e prata sobre o mar e o casario. Orgulhoso, certamente, da valentia de seu amigo Arigof, negro macho, vencedor da urucubaca e dos feitiços
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