quinta-feira, novembro 11, 2010


DONA
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS

Episódio Nº 267



Pelancchi Moulas deixou-se ficar a reflectir. Lulu balançava as mãos. Gilberto Cachorrão sentia-se incapaz de explicar, mas concordava com Máximo Sales: ali havia batota, sujeira, safadeza das maiores. Náufrago num mar de damas, António Dedinho aguardava a sentença. Era preciso tirar tudo a limpo, disse solene o professor. Pelancchi encolheu os ombros: fizessem o necessário, inquéritos e pesquisas, chamassem a polícia se preciso. Quanto a ele tinha uma desconfiança, seu sangue calabrês era sensível ao mistério, às emanações do além.

Também o eram os seios de Zulmira Simões Fagundes, bronze e veludo. A primeira-secretária, a prima-dona, a favorita de Pelancchi Moulas, se retorcia de repente em riso e dengue:

- Uma coisa nos meus peitos, aí, Pequito, tem uma coisa me fazendo cócega, ai que coisa mais maluca… Até parece assombração…

Pelancchi Moulas fez o sinal da cruz.


Aqueles foram dias confusos, de correria e de canseira, dias de emoções. Dona Flor e Teodoro numa azáfama, de um lado para o outro, do banco para o cartório, do cartório para diferentes repartições governamentais. Ela vira-se obrigada a suspender as aulas até ao fim da semana, ele quase não apareceu na farmácia. Celestino, com sua habitual franqueza lusitana, avisou dona Flor:

- Se quer mesmo comprar a casa, largue por uns dias a porcaria dessas aulas. Senão, adeus…

Surgira outro candidato e, não fosse a boa vontade do banqueiro, eles teriam mais uma vez perdido a chance de realizar o negócio. Também agora estava tudo praticamente concluído, faltando apenas assinar a escritura definitiva: o cartório tardaria uns dias a aprontá-la. Mas já fora pago o sinal ao antigo senhorio e para isso haviam utilizado o dinheiro da caderneta da Caixa Económica, as economias de dona Flor.

Pelo braço do marido, apoiada em sua força e em seu saber, dona Flor andara meia Bahia naquele fim-de-semana. Quase não parara em casa, apenas as horas de comer e dormir, e nem mesmo nesse pouco tempo pôde descansar. Como fazê-lo com Vadinho presente, postando-se ao seu lado apenas ela aparecia, e cada vez mais atrevido, disposto a levá-la à desonra, ao adultério?

Adultério? Adultério, como? – perguntava o maligno, se sou teu marido? Onde já se viu mulher tornar-se adúltera por se haver entregue ao marido legítimo? Não lhe jurara ela obediência ante o juiz e o padre? Onde já se viu minha Flor de maracujá, casamento assim platónico? Um absurdo…

O amaldiçoado tinha falas de açúcar, lábia fina, lógica e retórica, sabia os argumentos capazes de confundi-la e sua voz era um acalanto:

- Meu bem, não foi para dormir juntos que a gente se casou? E então?

Dona Flor ainda trazia no braço o peso do braço do doutor, ainda sentia seu odor suado nas ladeiras, em busca da burocracia. A voz de Vadinho a perturbava – como descansar, se devia estar atenta, se não podia abandonar-se um segundo sequer sem correr perigo? Perigo de ir-se na música da sua voz, entontecida por suas palavras, tocada por sua mão traiçoeira, por seu lábio. Quando se dava conta, ei-la preza em seus braços, tinha de soltar-se com violência. Não se dera e nunca se daria
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