DONA FLOR
E SEUS DOIS
MARIDOS
MARIDOS
Episódio Nº 272
Hálito de brasas, ardido hálito de pimenta, doçura de brisa, viração do mar, ai Vadinho mentiroso e sem vergonha… Assim ele ia tomando dela, pouco a pouco, restava apenas o último reduto, seu recato derradeiro.
Naquele dia, porém, ela em vão o esperou, ele não veio. Inquieta, dona Flor rolou no leito, debatendo-se em ânsia e dúvida. Teria ido embora, de volta, magoado em seu orgulho, ofendido? Teria ido embora para sempre?
Dona Flor estremeceu a esse pensamento. Como novamente viver sem a sua presença? Sem a sua loucura, sem a sua graça, sem a sua tentação?
Fosse como fosse, porém, devia passar sem ele, se quisesse permanecer honesta, mulher direita. Era a única solução viável, aquele impasse não continha outra porta de saída. Terrível medida, provação sem tamanho, mas que fazer? Impunha-se a drástica ruptura: se Vadinho continuasse ali, não havia força de decência nem decisão de virtude capazes de impedir o irremediável.
Dona Flor não se engana: que eram as conversas senão pretexto para as carícias, para aquela luta tão tremenda e tão deliciosa?
Como resistir à lábia de Vadinho? Não a convencera ele, e dona Flor não se deixava convencer, que, à excepção da posse completa, tudo mais era brincadeira sem maldade, jogos de primos, não implicando em desonra nem mesmo em indecência? Não havendo posse, desonra não havia, mantinham-se intactas sua dignidade e a testa insigne do doutor.
Pela segunda vez Vadinho adormecera seus escrúpulos com a mesma cantiga de ninar, a mesma modinha com que a embalara nos distantes tempos do namoro no Rio Vermelho e na Ladeira do Alvo. Ela fora no acalanto e quando abriu os olhos já ele lhe comera o cabaço e honra de donzela junto ao mar de Itapoã.
Novamente agora Vadinho chegava ao cais de seu porto derradeiro, à fímbria mais recôndita de seu ser. Ao menor descuido de dona Flor, num instante qualquer de incontido anseio, ele lhe comeria não mais o cabaço de donzela mas a honra de um marido e a decência de uma esposa.
De uma esposa modelar, de um marido exemplo dos bons maridos. Quando o pobre menos pensasse, em sua testa floresceriam chifres, e seria a maior das injustiças. As sementes desses injustos cornos já estavam plantadas pelas mãos de Vadinho, por sua boca de beijos, por seu calor de homem a acender em dona Flor gula e pecado.
Sim, só havia uma solução, única e certa: Vadinho retornar para donde viera, só assim estariam garantidas a honestidade da esposa e a testa do droguista. Dona Flor ia romper o coração, ia sofrer demais, mas onde outro caminho, outra porta de saída? Ela lhe explicará gentilmente suas razões. “Perdoa, meu amor, é impossível continuar assim, já não posso mais. Perdoa-me se te chamei, foi tudo culpa minha, adeus, deixa-me em paz…”
Em paz? Ou em desespero? Fosse como fosse, pelo menos honesta, mulher direita, fiel a seu marido.
Vadinho não apareceu. Nem no quarto, na hora do crepúsculo, nem depois na sala, na hora do jantar.
Hálito de brasas, ardido hálito de pimenta, doçura de brisa, viração do mar, ai Vadinho mentiroso e sem vergonha… Assim ele ia tomando dela, pouco a pouco, restava apenas o último reduto, seu recato derradeiro.
Naquele dia, porém, ela em vão o esperou, ele não veio. Inquieta, dona Flor rolou no leito, debatendo-se em ânsia e dúvida. Teria ido embora, de volta, magoado em seu orgulho, ofendido? Teria ido embora para sempre?
Dona Flor estremeceu a esse pensamento. Como novamente viver sem a sua presença? Sem a sua loucura, sem a sua graça, sem a sua tentação?
Fosse como fosse, porém, devia passar sem ele, se quisesse permanecer honesta, mulher direita. Era a única solução viável, aquele impasse não continha outra porta de saída. Terrível medida, provação sem tamanho, mas que fazer? Impunha-se a drástica ruptura: se Vadinho continuasse ali, não havia força de decência nem decisão de virtude capazes de impedir o irremediável.
Dona Flor não se engana: que eram as conversas senão pretexto para as carícias, para aquela luta tão tremenda e tão deliciosa?
Como resistir à lábia de Vadinho? Não a convencera ele, e dona Flor não se deixava convencer, que, à excepção da posse completa, tudo mais era brincadeira sem maldade, jogos de primos, não implicando em desonra nem mesmo em indecência? Não havendo posse, desonra não havia, mantinham-se intactas sua dignidade e a testa insigne do doutor.
Pela segunda vez Vadinho adormecera seus escrúpulos com a mesma cantiga de ninar, a mesma modinha com que a embalara nos distantes tempos do namoro no Rio Vermelho e na Ladeira do Alvo. Ela fora no acalanto e quando abriu os olhos já ele lhe comera o cabaço e honra de donzela junto ao mar de Itapoã.
Novamente agora Vadinho chegava ao cais de seu porto derradeiro, à fímbria mais recôndita de seu ser. Ao menor descuido de dona Flor, num instante qualquer de incontido anseio, ele lhe comeria não mais o cabaço de donzela mas a honra de um marido e a decência de uma esposa.
De uma esposa modelar, de um marido exemplo dos bons maridos. Quando o pobre menos pensasse, em sua testa floresceriam chifres, e seria a maior das injustiças. As sementes desses injustos cornos já estavam plantadas pelas mãos de Vadinho, por sua boca de beijos, por seu calor de homem a acender em dona Flor gula e pecado.
Sim, só havia uma solução, única e certa: Vadinho retornar para donde viera, só assim estariam garantidas a honestidade da esposa e a testa do droguista. Dona Flor ia romper o coração, ia sofrer demais, mas onde outro caminho, outra porta de saída? Ela lhe explicará gentilmente suas razões. “Perdoa, meu amor, é impossível continuar assim, já não posso mais. Perdoa-me se te chamei, foi tudo culpa minha, adeus, deixa-me em paz…”
Em paz? Ou em desespero? Fosse como fosse, pelo menos honesta, mulher direita, fiel a seu marido.
Vadinho não apareceu. Nem no quarto, na hora do crepúsculo, nem depois na sala, na hora do jantar.
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