sexta-feira, novembro 26, 2010

DONA


FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS



Episódio Nº 279


Via-se de repente Mirandão contando tudo e com detalhes:

- … a voz dele, igualzinha, comadre, me mandando ir jogar, hoje, sem falta. Que eu não deixe de ir…

Dona Flor o via; ali, sentado no beiral da janela, sob a luz da tarde, Vadinho lhe punha olhos de frete. Ela fazia por não ver, mas, mesmo não querendo, sua vista se esgueirava para a nudez do moço, a pele branca e lisa, a penugem de ouro, o corte da navalha, a boca oferecida.

- De quanto necessita, meu compadre?

- Pouca coisa…

Foi em busca do dinheiro, Vadinho a acompanhou, no quarto a envolveu nos braços e num beijo. Dona Flor, a pobre, nem gritar podia, com o compadre à porta, à espera. Sua resistência se desmanchou no beijo.

- Ai, Vadinho… gemeu ao fim e ela própria então lhe ofereceu os lábios, perdidas a razão e a pudicícia.

Vadinho a veio trazendo para a cama, buscando ao mesmo tempo desnudá-la. Não fosse ter ouvido os passos do compadre dentro de casa, talvez dona Flor deixasse ali, naquela hora, sua honra de mulher casada, de esposa honesta.

No último momento voltou a si, trancou as pernas, desprendeu-se do beijo e da vertigem, saiu debaixo de Vadinho:

- Que maluquice… com o compadre aí…

- Está lá fora…

- Está na sala… Me deixe, que vergonha!

Ajeitou os cabelos com os dedos, se compôs. Na sala de jantar Mirandão bebia água, ela lhe deu a cédula amassada no suor de sua mão.

- Obrigado comadre, nem sei como lhe agradecer. Se eu não ganhar hoje não ganho nunca mais. É uma certeza, é como se o compadre estivesse junto de mim a me dar sorte.

Na porta da rua, Mirandão riu e revelou seu plano:

- Só que ele está querendo que eu jogue no 17 e eu vou jogar é no 3 e no 32 que não sou doido. Uma vez, comadre, acertei quatro plenos seguidos no 32, foi uma sensação.

- Idiota!

- Ouviu, comadre? Ouviu ele falar? Era a voz dele ou não. Me diga…

Dona Flor, o corpo mole, o coração descompassado, a boca ardida e seca, falou baixinho:

- Não ligue não, compadre, às vezes ele também me atenta…

Mirandão não entendeu. Naquele dia, aliás, estava tudo atrapalhado, sem explicação e sem sentido. Com a noite a nascer de súbito e de uma só vez para os lados do poente, adiantada sobre a hora, sem esperar as cores em roxo do crepúsculo, uma noite toda azul. O relógio de Mirandão marcou a hora do jogo, ele não podia perder uma só parada, uma bola sequer.

Adeus, minha comadre, amanhã venho lhe pagar…

- Precisa não, compadre, se ganhar compre uns bombons para os meninos, dê em meu nome…

Fez uma pausa, completou baixando a voz:

- …e no de seu compadre…

O beijo de Vadinho lhe aflorou a face como se fosse a viração daquela noite azul.

- Até logo, meu bem… De noite eu venho lhe tirar da cama… Me espere… sem falta me
espere

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