quinta-feira, dezembro 02, 2010

DONA

FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS



Episódio Nº 284


Máximo despira a batota da máscara de mistério e Pelancchi com seu braço longo e influente, alcançaria o responsável, fazendo-o pagar com juros o dinheiro alheio, a audácia, a insolência, e sobretudo as horas pusilânimes o medo exposto, o pânico a lhe corroer o coração.

Entre Zulmira e Domingos Propalato, novamente em paz com o mundo, Pelancchi sorri aos jogadores: não existe sorriso mais cordial e afável.

Enquanto isso, Mirandão, desertor e bêbado, dormia no castelo de Carla, no formoso e discreto boudoir em rosa. Na véspera, quando Pelancchi Moulas, em visível descontrole, ordenara a suspensão do jogo, Lourenço Mão-de-Vaca, o crupiê, e Domingos Propalato, ali presentes, não foram os únicos a se verem enfim libertos daquele indecifrável pesadelo. Em meio a um mar de fichas, não menos aliviado se sentiu compadre Mirandão, tão absurdo e apavorante era aquele assunto.

Enquanto a roleta cantava o 17, Mirandão se manteve entre a euforia e o terror. Euforia devido à sorte desbragada e terror devido à ausência de qualquer limite a essa sua sorte diabólica. Naquela noite os diques da fortuna se romperam e a Mirandão pertenciam todas as fichas dos casinos. Mas, era mesmo dele, Mirandão, aquela sorte?

Tudo muito suspeito e estranho: a voz de Vadinho em seu ouvido, a partir da manhã de passarinhos, na hora do sarapatel e pela rua afora. A visita a dona Flor, as estranhas palavras, as frases obscuras, e ele a ouvir o insulto do finado, como se, além de Mirandão e da comadre, também Vadinho fosse parte na conversa. Depois daquela mágica das fichas: indo cair no 17 quando jogadas no 3 e no 32. No meio daquela noite quisera Mirandão, de teimosia e prova, de novo apostar em seus números predilectos e os carregou de fichas. Mas lá se foram as fichas, por conta própria e ninguém sabe como, aparecer no 17. Afinal, o que era Mirandão? Um jogador ou um joguete do destino?

Saindo do Palace, arrogante milionário e aflito coração dirigiu-se ao castelo de Carla, local propício a comemorações de feitos grandiosos como aquele e, nas horas de agonia, lar acolhedor. Confiou sua dinheirama à gorda italiana, senhora da integridade e do escrúpulo (autorizando-a, é claro, a despender na festa o necessário, sem mesquinhez). Temia o excesso de carinho das mulheres ou a súbita afeição dos múltiplos amigos quando rolasse bêbado. Porque, naquela noite, Mirandão se dispunha a tomar o porre de sua vida, nele afogando os termos daquele enigma, as parcelas daquele desvario.

A festa, regida pela gorda Carla, entrou pelo dia e os mais resistentes como os literatos Robato Filho e Áureo Contreiras (sempre com uma flor à lapela do casaco) e o jornalista João Batista, almoçaram no castelo, na manhã seguinte, uma feijoada genial e arrasadora, com cachaça e vinho verde.

Só após tal maratona, Mirandão tombou escornado e foi conduzido em padiola pelas meninas como um corpo morto. Gentis, elas o despiram e lhe deram um banho morno, de bacia; em perfume e talco o envolveram, estendendo-o por fim dormido em leito de colchão de barriguda, no boudoir reservado aos hóspedes de honra, todo em cetim e rosa.

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