quarta-feira, dezembro 29, 2010

DONA

FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS



Episódio Nº 306


- Você está pálido e cansado, te acho magro. É que você não tem dormido, nessa vida de jogo e de orgia. Precisa de descansar, meu amor.

Isto ela lhe disse num intervalo de carícias lentas, após o embate de fogo e tempestade. Vadinho pálido, muito pálido, como se lhe fosse o sangue, mas sorridente:

- Cansado? Um pouquinho só. Mas tu não imagina como tenho rido às custas de Pelancchi. Daqui a pouco…

- Daqui a pouco? Você vai para o jogo? Não vai ficar comigo a noite toda?

- A nossa noite é agora. Depois, meu bem, é a vez de meu colega, o outro teu marido.

Dona Flor se encheu de brios, reformulando decisões dramáticas:

- Com ele nunca mais… Como ia poder? Nunca mais, Vadinho. Agora só nós dois, tu não vê logo?

Ele sorriu na maciota, no leito estirado a la godaça:

- Meu bem, não diga isso… Você adora ser fiel e séria, eu sei. Mas isso se acabou, para que se enganar? Nem só comigo, nem só com ele, com nós dois, minha Flor enganadeira. Ele também é teu marido, tem tanto direito quanto eu. Um bom sujeito este teu segundo, cada vez gosto mais dele… Aliás, quando cheguei, te avisei que a gente se ia dar bem, os três.

- Vadinho!

- O que é meu bem?

- Você não se importa que eu te ponha chifres com Teodoro?

- Chifres? – passou a mão na testa lívida – Não, não dá para nascer chifres. Eu e ele estamos empatados, meu bem, os dois temos direito, ambos casamos no padre e no juiz, não foi? Só que ele te gasta pouco, é um tolo. Nosso amor, meu bem, pode ser perjuro se quiseres, para ser ainda mais picante, mas é legal, e também o dele, com certidões e testemunhas, não é mesmo? Assim, se somos ambos teus maridos e com iguais direitos, quem engana a quem? Só tu, Flor, enganas aos dois, porque a ti, tu não te enganas mais.

- Engano os dois? A mim não me engano mais?

Gosto tanto de ti – oh! voz de celeste acento dentro dela a ressoar – com amor tamanho que para te ver e te tomar nos braços, rompi o não e outra vez eu sou. Mas não queiras que eu seja ao mesmo tempo Vadinho e Teodoro, pois não posso. Só posso ser Vadinho e só tenho amor para te dar, o resto todo que necessitas quem te dá é ele; casa própria, a fidelidade conjugal, o respeito, a ordem, a consideração e a segurança. Quem te dá é ele, pois o seu amor é feito dessas coisas nobres e delas todas necessitas para ser feliz. Também de meu amor precisas para ser feliz, desse amor de impurezas, errado e torto, devasso e ardente, que te faz sofrer. Amor tão grande que resiste à minha vida desastrada, tão grande que depois de não ser voltei a ser e aqui estou. Para te dar alegria, sofrimento e gozo aqui estou. Mas não para permanecer contigo, ser tua companhia, teu atento esposo, para te guardar constância, para te levar de visita, para o dia a, para te levar de visita, para o dia certo do cinema e a hora exacta de dormir – para isso não, meu bem. Isso é com o meu nobre colega de xibiu, e melhor jamais encontrarás. Eu sou o marido da pobre dona Flor, aquele que vai acordar tua ânsia e morder teu desejo, escondido no fundo do teu ser, de teu recato. Ele é o marido da senhora dona Flor, cuida de tua virtude, de tua honra, de teu respeito humano. Ele é a tua face matinal, eu sou tua noite, o amante para o qual não tens jeito nem coragem. Somos teus dois maridos, tuas duas faces, teu sim, teu não Para seres feliz precisas de nós dois. Quando era eu só, tinhas meu amor e te falava tudo, como sofrias! Quando foi só ele, tinhas de um tudo, nada te faltava, sofrias ainda mais. Agora, sim, és dona Flor inteira como deve ser.

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