TEREZA BATISTA
CANSADA DE
GUERRA
GUERRA
Episódio Nº 7
4
Flori recolheu os destroços, na dependência de uma palavra do cirurgião dentista para marcar nova data, certa e improrrogável, para a estreia agora ansiosamente aguardada de Tereza Batista no Paris Alegre. Doutor Najar, fazendo o tratamento render: trabalho de ouro, seja ele qual for, meu caro Pachola, requer arte e capricho, competência e tempo, quanto mais dente de ouro, enfeite em boca celeste: não pode ser improvisado na pressa e no desleixo, obra de afogadilho – é lavor delicado e galante. Flori a dar-lhe pressa: compreendo seus escrúpulos, meu doutor de boticão, mas ande ligeiro, não faça cera, por favor. Enquanto espera capricha na propaganda.
Nos quatro cantos da Praça Fausto Cardoso, onde se eleva o Palácio do Governo, tabuletas coloridas anunciam, para muito breve no Salão Paris Alegre a Fulgurante Imperatriz do Samba, ou o samba em pessoa, ou ainda a Maravilha do Samba Brasileiro, por fim a Sambista Número Um do Brasil, exageros evidentes, mas, ao ver de Flori, elogios aquém dos reais merecimentos físicos da estrela em causa. Na lista dos múltiplos apaixonados pela inédita sambista deve-se colocar o nome do cabaretier precedendo o do advogado provisionado e o do dentista formado, o do poeta e o do pintor, senão por outras razões ao menos por estar ele concorrendo com as despesas, arcando com os prejuízos da noite frustrada e gloriosa.
Todos de cabeça virada. Flori, encanecido no trato de artistas, preconiza a necessidade de ensaios diários à tarde, enquanto prosseguem os trabalhos de prótese e cura-se o lábio partido, para que se mantenha o indispensável molejo das ancas, o balanço do samba. O ideal seriam ensaios a sós, a sambista e o pianista, no caso o próprio Pachola, senhor de variados talentos: piano, violão, gaita de boca, cantador de cantigas de cego; mas como conter a malta de admiradores? Vinham atrás dela o dentista, o poeta, o pintor, o rábula, perturbando o ensaio e os solertes planos de Flori.
Flori chegara de Aracajú há mais de um decénio na qualidade de Administrador dos restos mortais da Companhia de Variedades Jota Porto & Alma e Castro, elenco responsável pelas trezentas representações da revista musical Onde Arde a Pimenta no Teatro Recreio do Rio de Janeiro, bem menos feliz na longa e triunfal (em termos) havia excursão ao Norte do país. Quando Flori, jovem e entusiasta, aderiu ao elenco em São Luís do Maranhão, ainda não se havia revelado vocação de Administrador de casas e empresas de espectáculos, nem possuía experiência.
Experiência adquiriu rapidamente, num recorde de tempo e aporrinhações, durante a excursão de São Luís a Belém, de Belém a Manaus, e a extraordinária viagem de retorno. Havia-se-lhe revelado, isso sim, fulminante e correspondida paixão pela lusa e adoidada Ana Castro, fazendo-o abandonar o emprego em firma de exportação de babaçu, tarefa sem imprevistos nem emoções.
De olho na diva, ao ter conhecimento da traiçoeira partida do pianista, acto contínuo ofereceu-se, foi aceite e, além do piano coube-lhe de imediato as funções de auxiliar do empresário e astro principal Jota Porto em tudo quanto se referisse a problemas práticos, acertos com donos ou arrendatários de teatro, empresas de transporte, proprietários de hotel e outros credores. A cada cidade visitada, diminuía o elenco, reduzindo-se o número de quadros da vitoriosa e salgada revista.
Em Aracajú, de tão desfalcado o espectáculo só deu para complemento da sessão de cinema. Nessa altura, aliás, o mambembe já não se intitulava Companhia de Variedades Jota Porto & Alma e Castro, minguara para Grupo Teatral Alma Castro; na praça de Recife, os olhos marejados de lágrimas, Jota Porto, arrebanhando os últimos níqueis, caiu fora após beijar Alma Castro na testa e flori nas faces – suspeitíssimo, esse galã pelo qual as meninas perdiam o sono, desmunhecava com facilidade.
Flori recolheu os destroços, na dependência de uma palavra do cirurgião dentista para marcar nova data, certa e improrrogável, para a estreia agora ansiosamente aguardada de Tereza Batista no Paris Alegre. Doutor Najar, fazendo o tratamento render: trabalho de ouro, seja ele qual for, meu caro Pachola, requer arte e capricho, competência e tempo, quanto mais dente de ouro, enfeite em boca celeste: não pode ser improvisado na pressa e no desleixo, obra de afogadilho – é lavor delicado e galante. Flori a dar-lhe pressa: compreendo seus escrúpulos, meu doutor de boticão, mas ande ligeiro, não faça cera, por favor. Enquanto espera capricha na propaganda.
Nos quatro cantos da Praça Fausto Cardoso, onde se eleva o Palácio do Governo, tabuletas coloridas anunciam, para muito breve no Salão Paris Alegre a Fulgurante Imperatriz do Samba, ou o samba em pessoa, ou ainda a Maravilha do Samba Brasileiro, por fim a Sambista Número Um do Brasil, exageros evidentes, mas, ao ver de Flori, elogios aquém dos reais merecimentos físicos da estrela em causa. Na lista dos múltiplos apaixonados pela inédita sambista deve-se colocar o nome do cabaretier precedendo o do advogado provisionado e o do dentista formado, o do poeta e o do pintor, senão por outras razões ao menos por estar ele concorrendo com as despesas, arcando com os prejuízos da noite frustrada e gloriosa.
Todos de cabeça virada. Flori, encanecido no trato de artistas, preconiza a necessidade de ensaios diários à tarde, enquanto prosseguem os trabalhos de prótese e cura-se o lábio partido, para que se mantenha o indispensável molejo das ancas, o balanço do samba. O ideal seriam ensaios a sós, a sambista e o pianista, no caso o próprio Pachola, senhor de variados talentos: piano, violão, gaita de boca, cantador de cantigas de cego; mas como conter a malta de admiradores? Vinham atrás dela o dentista, o poeta, o pintor, o rábula, perturbando o ensaio e os solertes planos de Flori.
Flori chegara de Aracajú há mais de um decénio na qualidade de Administrador dos restos mortais da Companhia de Variedades Jota Porto & Alma e Castro, elenco responsável pelas trezentas representações da revista musical Onde Arde a Pimenta no Teatro Recreio do Rio de Janeiro, bem menos feliz na longa e triunfal (em termos) havia excursão ao Norte do país. Quando Flori, jovem e entusiasta, aderiu ao elenco em São Luís do Maranhão, ainda não se havia revelado vocação de Administrador de casas e empresas de espectáculos, nem possuía experiência.
Experiência adquiriu rapidamente, num recorde de tempo e aporrinhações, durante a excursão de São Luís a Belém, de Belém a Manaus, e a extraordinária viagem de retorno. Havia-se-lhe revelado, isso sim, fulminante e correspondida paixão pela lusa e adoidada Ana Castro, fazendo-o abandonar o emprego em firma de exportação de babaçu, tarefa sem imprevistos nem emoções.
De olho na diva, ao ter conhecimento da traiçoeira partida do pianista, acto contínuo ofereceu-se, foi aceite e, além do piano coube-lhe de imediato as funções de auxiliar do empresário e astro principal Jota Porto em tudo quanto se referisse a problemas práticos, acertos com donos ou arrendatários de teatro, empresas de transporte, proprietários de hotel e outros credores. A cada cidade visitada, diminuía o elenco, reduzindo-se o número de quadros da vitoriosa e salgada revista.
Em Aracajú, de tão desfalcado o espectáculo só deu para complemento da sessão de cinema. Nessa altura, aliás, o mambembe já não se intitulava Companhia de Variedades Jota Porto & Alma e Castro, minguara para Grupo Teatral Alma Castro; na praça de Recife, os olhos marejados de lágrimas, Jota Porto, arrebanhando os últimos níqueis, caiu fora após beijar Alma Castro na testa e flori nas faces – suspeitíssimo, esse galã pelo qual as meninas perdiam o sono, desmunhecava com facilidade.
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