TEREZA
BATISTA
CANSADA
DE
GUERRA
Episódio Nº 15
Aliás, Lulu recebia muita coisa de presente, coisas de comer e beber, regalos variados, muitas outras comprava a crédito, esquecia-se de pagar, e se não fosse assim como poderia viver um advogado de pobres? Em certas causas punha dinheiro seu em vez de receber honorários. Tirando fumaça do charuto, começa a desfiar as peripécias de Libório das Neves.:
- Vamos mexer em bosta, minha filha… – E abriu a tramela, parecia estar na tribuna do júri a defender e a acusar, pois se exaltava erguendo a voz, fechando os punhos, tomado de indignação ou de ternura, misturando palavrões e ditos populares.
Em resumo, contou como Libório começara sendo banqueiro de bicho – mas para bancar bicho, como todos sabem, é fundamental ser honesto; repousando o jogo do bicho exclusivamente na confiança merecida pelo banqueiro, se esse for desonesto não pode manter-se bancando. Ora, sendo Libório organicamente salafrário, está a ver que no primeiro estouro, não pagou as pules premiadas, resultando num bode daqueles. Uns quantos fregueses, inconformados com a safadeza, juntaram-se sob o comando do Pé-de-Mula, jogador de futebol dono de chuto potentíssimo, foram atrás do banqueiro desonesto. Leve-se em conta o facto de Pé-de-Mula não estar pessoalmente interessado no assunto, não jogava no bicho, jamais. Agia em representação de tia Milú, vizinha de rua, anciã quase centenária: todo o santo dia a velhinha arriscava no grupo, na dezena, na centena, no milhar, pule modesta mas complicada, acompanhando um bicho, uma centena, um milhar durante meses seguidos.
De quando em vez acertava e nunca tivera a menor dificuldade no recebimento. Não sabe por que cargas d’água mudou de banqueiro, levada talvez pela lábia do então jovem Libório. Vinha perseguindo o cachorro, dezena 20, centena 920, milhar 7920, e não só ela, muita gente naquele dia jogou no cachorro exactamente porque acontecera na véspera o caso notável do menino salvo da morte no mar da Atalaia por um cão vira-lata apegado à criança, história divulgada nos jornais e na rádio. Deu o cachorro, deu a centena, deu o milhar de tia Milú, Libório virou fumaça.
Principal ganhadora, a velhinha ficou ofendidíssima com a desaparição do banqueiro; curvada em dois, apoiada numa bengala, apelou para deus e os homens: queria receber seu rico dinheiro. Pé-de-Mula, coice feroz, coração de banana, tomou as dores da vizinha e, à frente de outros lesados, saiu à procura do banqueiro e por fim o encontrou.
A cobrança foi na base da discussão e da ameaça. A princípio Libório tentou enrolar, pôr culpa em terceiros, inventando sócios que teriam fugido, mas, na base de uns empurrões de Pé-de-Mula, prometeu liquidação total em quarenta e oito horas.
É grande a credulidade dos homens, mesmo quando populares jogadores de futebol, mesmo possuindo um “canhão em cada pé”, como escreviam os cronistas desportivos a propósito de Pé-de-Mula. Além de jogador de futebol, Pé-de-Mula não sabia fazer mais nada – aliás seu futebol não era lá essas coisas, perna-de-pau mantido no time devido exclusivamente ao canhonaço, não existindo goleiro capaz de agarrar a bola chutada por ele. Afora os treinos, trocava pernas na rua, estagiando nos bares, assistindo disputas de bilhar; vagabundo para usar termo correcto.
Quarenta e oito horas passadas e nem sombra de Libório. Pé-de-Mula pôs-se em campo, conhecia sua cidade de Aracajú e os arredores. Foi desentocar o ladrão escondido numa rua de canto, perto das salinas. Libório disputava uma partida de gamão com o dono da casa, sírio de prestação, quando, sem pedir licença nem bater palmas na porta, Pé-de-Mula, acompanhado de mais quatro credores, abriu passagem casa adentro. O sírio, dando de valente exibiu uma faca; tomaram-lhe a faca, distribuíram uns tapas pelos dois, cabendo mais a Libório, como devido.
- Vamos mexer em bosta, minha filha… – E abriu a tramela, parecia estar na tribuna do júri a defender e a acusar, pois se exaltava erguendo a voz, fechando os punhos, tomado de indignação ou de ternura, misturando palavrões e ditos populares.
Em resumo, contou como Libório começara sendo banqueiro de bicho – mas para bancar bicho, como todos sabem, é fundamental ser honesto; repousando o jogo do bicho exclusivamente na confiança merecida pelo banqueiro, se esse for desonesto não pode manter-se bancando. Ora, sendo Libório organicamente salafrário, está a ver que no primeiro estouro, não pagou as pules premiadas, resultando num bode daqueles. Uns quantos fregueses, inconformados com a safadeza, juntaram-se sob o comando do Pé-de-Mula, jogador de futebol dono de chuto potentíssimo, foram atrás do banqueiro desonesto. Leve-se em conta o facto de Pé-de-Mula não estar pessoalmente interessado no assunto, não jogava no bicho, jamais. Agia em representação de tia Milú, vizinha de rua, anciã quase centenária: todo o santo dia a velhinha arriscava no grupo, na dezena, na centena, no milhar, pule modesta mas complicada, acompanhando um bicho, uma centena, um milhar durante meses seguidos.
De quando em vez acertava e nunca tivera a menor dificuldade no recebimento. Não sabe por que cargas d’água mudou de banqueiro, levada talvez pela lábia do então jovem Libório. Vinha perseguindo o cachorro, dezena 20, centena 920, milhar 7920, e não só ela, muita gente naquele dia jogou no cachorro exactamente porque acontecera na véspera o caso notável do menino salvo da morte no mar da Atalaia por um cão vira-lata apegado à criança, história divulgada nos jornais e na rádio. Deu o cachorro, deu a centena, deu o milhar de tia Milú, Libório virou fumaça.
Principal ganhadora, a velhinha ficou ofendidíssima com a desaparição do banqueiro; curvada em dois, apoiada numa bengala, apelou para deus e os homens: queria receber seu rico dinheiro. Pé-de-Mula, coice feroz, coração de banana, tomou as dores da vizinha e, à frente de outros lesados, saiu à procura do banqueiro e por fim o encontrou.
A cobrança foi na base da discussão e da ameaça. A princípio Libório tentou enrolar, pôr culpa em terceiros, inventando sócios que teriam fugido, mas, na base de uns empurrões de Pé-de-Mula, prometeu liquidação total em quarenta e oito horas.
É grande a credulidade dos homens, mesmo quando populares jogadores de futebol, mesmo possuindo um “canhão em cada pé”, como escreviam os cronistas desportivos a propósito de Pé-de-Mula. Além de jogador de futebol, Pé-de-Mula não sabia fazer mais nada – aliás seu futebol não era lá essas coisas, perna-de-pau mantido no time devido exclusivamente ao canhonaço, não existindo goleiro capaz de agarrar a bola chutada por ele. Afora os treinos, trocava pernas na rua, estagiando nos bares, assistindo disputas de bilhar; vagabundo para usar termo correcto.
Quarenta e oito horas passadas e nem sombra de Libório. Pé-de-Mula pôs-se em campo, conhecia sua cidade de Aracajú e os arredores. Foi desentocar o ladrão escondido numa rua de canto, perto das salinas. Libório disputava uma partida de gamão com o dono da casa, sírio de prestação, quando, sem pedir licença nem bater palmas na porta, Pé-de-Mula, acompanhado de mais quatro credores, abriu passagem casa adentro. O sírio, dando de valente exibiu uma faca; tomaram-lhe a faca, distribuíram uns tapas pelos dois, cabendo mais a Libório, como devido.
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