TEREZA
BATISTA
CANSADA
DE
GUERRA
Episódio Nº 28
Por malê, muçurumim e haussá houve quem a tomasse e lhe dissesse em achegos de frete. Alguns a enxergaram cigana, ledora de mão, ladrona de cavalo e de criança pequena, com brincos de moedas nas orelhas, pulseiras de ouro, dançando. Segundo outros, cabo-verde, pelos rasgos de índia, certa reserva quando menos se espera, os negros cabelos escorridos. Nagô, Angola, gêge, ijexá, cabinda, pela esbeltez congolesa, de onde veio seu sangue de cobre a tantos outros sangues se misturar? Com a nação portuguesa se melou, todos aqui se melaram. Não me vê negro assim? Pois quem primeiro se deitou na cama da minha avó foi um militar português.
Nas brenhas dão de barato um mascate nas amizades de Miquelina, bisavó de Tereza; quando digo mascate espero não ser preciso esclarecer tratar-se de árabe, sírio ou libanês, na voz geral tudo é turco.
No sertão onde Tereza nasceu passa a divisa ficando por isso difícil saber quem é da Bahia, quem de Sergipe, quanto mais se o mascate chamou aos peitos a roceira apetitosa. Até onde a memória alcança, as mulheres da família eram de encher o olho e de levantar cacete de morto e foram se aprimorando até chegar a Tereza, embora eu já tenha ouvido dizer por mais de um fofoqueiro ser ela feia e mal feita, cativando os homens no feitiço, na mandinga, no ebó ou por gostosa e sabida de cama, não por bonita. Veja o preclaro patrício quanta contradição; e depois querem que se acredite em testemunha de vista e nos calhamaços da história.
Não há muito estava eu bem do meu, comendo uns beijus molhados, na minha barraca, quando um presepeiro começou a contar a uns senhores paulistas e a uma paulistinha rosada, quindim para boca de rico, toda em sorrisos, ai se não fosse um homem bem casado… Como ia lhe dizendo, antes que me interrompesse a mimosa flor de São Paulo, o gabola, menino moderno sem traquejo na mentira, querendo fazer média com os visitantes, garantiu que Tereza era loira, brancarrona e gorducha, da verdadeira só lhe deixando a valentia, e assim mesmo com o fim de bancar o machão e acabar com a fama de Tereza á força de gritos – disse que estando Tereza a fazer arruaça, ele a chamou à ordem com um carão e dois berros – e durma-se com um barulho desses.
Aqui, no Mercado Modelo, meu eminente, a gente ouve coisas de estarrecer, mentiras de se pregar na parede com martelo russo e prego caibral.
Se eu fosse o nobre patrício, deixava de parte esse negócio de nação, que vantagem lhe rende saber se nas veias de Tereza lhe corre sangue malê ou Angola, se o árabe teve a ver com o assunto, ou se foram os ciganos acampados na roça? Me contou um moço de lá ter uma certa dona Magda Morais, em depoimento na polícia, apoiada pelas irmãs, classificado Tereza de negrinha de raça ruim, estupor. De loira a negrinha, de formosa sem igual a feiona e mal feita, nesses pátios do Mercado, Tereza anda de boca em boca; em minha barraca, ouço e me calo; quem dela sabe mais do que eu, não me tomou de compadre?
Sobre a nação de Tereza, outras referências não lhe posso adiantar, não me consta fosse ela a própria Iansã; mabaça ou prima possa ser, seguindo nas águas do parente de Ogum. Quanto à vossa própria nação, meu graúdo, sem ir longe nem faltar à verdade, posso logo enxergar a mistura principal: escuto sobre a brancura da pele um ronco surdo de atabaques – o lorde é de nação de mulatos claros, também chamada de brancos baianos, nação de primeiríssima lhe digo eu, camafeu de Oxossi, obá de Xangô, estabelecido no Mercado Modelo, com a barraca São Jorge, na cidade da Bahia, umbigo do mundo.
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