TEREZA
BATISTA
CANSADA
DE
GUERRA
Episódio Nº 26
Abre os braços, gesticula para dar força á letra, larga o volante, o carro se desgoverna, patina, ameaçando derrapar; mas nessa noite nenhum desastre pode suceder, é a noite de mestre Januário Gereba e de Tereza Batista. Casamento assim, marido e mulher tão apaixonados um pelo outro, vale a pena, considera o motorista Tião, percursor da música de protesto, dominando finalmente o velho automóvel. Lá se vão pela estrada estreita: Tereza, dengosa, se aconchega ao peito de Januário na aragem fresca da antemanhã.
De repente, foi o mar.
9
Ai, suspirou Tereza. Nas areias rolaram, as ondas molhavam seus pés, a aurora nascia da cor de Januário. Finalmente, Tereza descobrira de onde provinha o aroma a perfumar o peito do gigante, não era senão a fragrância do mar. Tinha cheiro e gosto do mar.
Porque não me queres? Perguntara Tereza quando saíram de mãos dadas, correndo na praia para se afastarem do carro, onde o chofer se rendera num ronco triunfal.
Porque te quero e desejo, desde o instante primeiro em que te vi desatada em fúria, ali mesmo tombei vencido de amor; por isso me afasto e fujo, prendo as minhas mãos, tranco a boca e afogo o coração. Porque te quero para a vida e não por um momento – ah! se pudesse te levar comigo, para casa nossa, no dedo te colocar o anel de aliança, te levar de vez e para sempre! Ah! mas não pode ser.
E porque não pode ser, mestre Januário Gereba? Com aliança ou sem aliança, não me importa; em casa nossa e para todo o sempre, isso sim. De mim sou livre, nada me prende e não desejo outra coisa.
Eu não sou livre, Teta, carrego grilheta nos pés, é minha mulher e dela não me posso separar, padece de doença cruel; eu a tirei de casa do pai, onde tinha de um tudo e um noivo comerciante; sempre direita comigo, passou necessidades sem reclamar, trabalhando e sorrindo, sorrindo mesmo se a gente não tinha nem para comer.
Se pude comprar o saveiro, foi porque ela ganhou para a entrada gastando a saúde na máquina de costura dia e noite, noite e dia. Toda a vida delicada, ficou fraca do peito, queria um filho, não teve – nunca saiu da sua boca uma palavra de queixa. O que ganho no saveiro vai na farmácia e no médico para prolongar a doença, não chega para acabar, não tem dinheiro que chegue. Quando tirei ela de casa não passava de um vagabundo do cais, sem eira nem beira e sem juízo. A que eu amei e quis, a que roubei da família, das patacas do noivo era sadia, alegre e bonita; hoje é doente, triste e feia, mas tudo que ela tem sou eu, nada mais, mais ninguém, não vou largá-la na rua, no alvéu. Não te quero para um dia, para uma noite de cama, para um suspiro de amor – para sempre te quero e não posso.
Não posso tomar compromisso, carrego grilhetas nos pés, algemas nas mãos. Por isso jamais te toquei nem te disse amor de minha vida. Só que não tive coragem de fugir de uma vez, de não voltar, querendo guardar para sempre no fundos olhos tua face muçurumim, tua cor de malê, o peso de tua mão, tua altura de junco, a memória de tuas ancas. Para de tuas lembranças me alimentar na solidão das noites de travessia, para olhar para o mar e nele te ver.
De repente, foi o mar.
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Ai, suspirou Tereza. Nas areias rolaram, as ondas molhavam seus pés, a aurora nascia da cor de Januário. Finalmente, Tereza descobrira de onde provinha o aroma a perfumar o peito do gigante, não era senão a fragrância do mar. Tinha cheiro e gosto do mar.
Porque não me queres? Perguntara Tereza quando saíram de mãos dadas, correndo na praia para se afastarem do carro, onde o chofer se rendera num ronco triunfal.
Porque te quero e desejo, desde o instante primeiro em que te vi desatada em fúria, ali mesmo tombei vencido de amor; por isso me afasto e fujo, prendo as minhas mãos, tranco a boca e afogo o coração. Porque te quero para a vida e não por um momento – ah! se pudesse te levar comigo, para casa nossa, no dedo te colocar o anel de aliança, te levar de vez e para sempre! Ah! mas não pode ser.
E porque não pode ser, mestre Januário Gereba? Com aliança ou sem aliança, não me importa; em casa nossa e para todo o sempre, isso sim. De mim sou livre, nada me prende e não desejo outra coisa.
Eu não sou livre, Teta, carrego grilheta nos pés, é minha mulher e dela não me posso separar, padece de doença cruel; eu a tirei de casa do pai, onde tinha de um tudo e um noivo comerciante; sempre direita comigo, passou necessidades sem reclamar, trabalhando e sorrindo, sorrindo mesmo se a gente não tinha nem para comer.
Se pude comprar o saveiro, foi porque ela ganhou para a entrada gastando a saúde na máquina de costura dia e noite, noite e dia. Toda a vida delicada, ficou fraca do peito, queria um filho, não teve – nunca saiu da sua boca uma palavra de queixa. O que ganho no saveiro vai na farmácia e no médico para prolongar a doença, não chega para acabar, não tem dinheiro que chegue. Quando tirei ela de casa não passava de um vagabundo do cais, sem eira nem beira e sem juízo. A que eu amei e quis, a que roubei da família, das patacas do noivo era sadia, alegre e bonita; hoje é doente, triste e feia, mas tudo que ela tem sou eu, nada mais, mais ninguém, não vou largá-la na rua, no alvéu. Não te quero para um dia, para uma noite de cama, para um suspiro de amor – para sempre te quero e não posso.
Não posso tomar compromisso, carrego grilhetas nos pés, algemas nas mãos. Por isso jamais te toquei nem te disse amor de minha vida. Só que não tive coragem de fugir de uma vez, de não voltar, querendo guardar para sempre no fundos olhos tua face muçurumim, tua cor de malê, o peso de tua mão, tua altura de junco, a memória de tuas ancas. Para de tuas lembranças me alimentar na solidão das noites de travessia, para olhar para o mar e nele te ver.
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