TEREZA
BATISTA
CANSADA
DE
GUERRA
Episódio Nº 25
Finalmente, fumando charuto de São Félix oferecido pelo chefe da polícia, que veio trazê-lo à porta, o provisionado aparece rindo muito de alguma pilhéria do íntegro pessedista. Ordena ao chofer:
- Para a Central, Tião.
Januário ia saindo porta fora, quando o carro parou. Tereza se atira, corre para ele, os braços estendidos; pendura-se no pescoço do gigante. Mestre Gereba sorri, fitando-a nos olhos: lá se vai água abaixo a inabalável decisão tomada no peito e na raça; como fazer para não beijá-la quando ela já lhe toma a boca?
Ainda assim, foi beijo apressado, enquanto os outros saltam do carro. Da porta da Central os tiras olham, as ordens do chefe infelizmente não admitiam discussão: soltem o homem agora mesmo e se tocarem nele vão se haver comigo!
Tinham tocado antes, basta ver o olho do saveirista; a batalha travada na rua repetira-se no xilindró. Apesar da desvantagem do local e da torcida, mestre Gereba não se saiu tão mal assim: apanhou mas também bateu. Quando os covardes o deixaram, prometendo voltar mais tarde para nova sessão, para o café da manhã, na pitoresca expressão de um deles, o saveirista ainda estava inteiro, se bem moído; moídos estando igualmente o tira Alcindo e o detective Agnaldo.
Da moqueca participaram todos, inclusivé o chofer, nessa altura já na disposição de não cobrar a despesa da interminável corrida, só recebendo finalmente para não ofender mestre Gunzá, muito melindroso em questões de dinheiro. Lulu Santos revelou outra faceta do motorista: Tião compunha sambas e marchas, campeão de vários carnavais.
Acompanharam o peixe com cachaça, o rábula bebendo como sempre em goles mesurados, estalando a língua a cada um deles, Januário e Caetano a emborcar os cálices, seguidos pelo chofer.
Ao lado do saveirista, Tereza come com a mão – há quantos anos não come assim, amassando a comida nos dedos, um bolo de peixe, arroz e farinha, ensopando-o no molho? Ao chegar fizera curativo no rosto de Januário, abaixo do olho direito, apesar da oposição do gigante.
Esgotada a primeira com rapidez, abriram a segunda garrafa de cachaça. Lulu começara a dar sinais de fadiga, comera três pratos. O motorista Tião, ao cabo de tanta moqueca e tanta cachaça, convida toda a companhia para uma feijoada domingo em sua casa, no fim da rua Simão Dias, quando, acompanhando-se ao violão, cantará para os amigos as suas últimas composições.
Casa de pobre, sem luxos nem vaidades – disse em sua peroração – mas onde não faltará nem feijão nem amizade. Tendo aceite o convite, Lulu ali mesmo no convés se acomodou e dormiu.
Eram as quatro da manhã, filtrava-se a luz da noite ainda poderosa quando, sentados ao lado do chofer alegríssimo, mestre Januário Gereba e Tereza rumaram para a Atalaia, o carro em ziguezagues, muita pinga bebera Tião.
Mesmo sem acompanhamento – sem acompanhamento perde muito, explicou – canta o samba por ele composto quando do julgamento do bandido Mãozinha, homenagem à sensacional defesa de Lulu Santos:
Ai, seu doutor
Quem matou foi o senhor…
Não foi ele, que só fez atirar
Quem matou foi você
Foi o juiz e o promotor
Quem matou foi a fome,
A injustiça dos homens…
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