TEREZA
BATISTA
CANSADA
DE
GUERRA
Episódio Nº 20
Até amanhã, minha boa Adriana do mungunzá divino. Como bem diz o povo: quem rouba ladrão… Só quero ver a cara do pote de bosta na hora, vai ser a maior satisfação da minha vida.
Tereza na varanda esquece Lulu Santos, Joana das Folhas, Libório das Neves. Onde andará o malvado? Prometera vir com o cachimbo de barro, a pele curtida ao vento, o peito de quilha, as grandes mãos que a suspenderam no ar. Não viera, porquê?
7
Na cidade dormida, no porto deserto, sozinha, mortificada, o amor-próprio ferido. Tereza Batista procura Januário Gereba. Quem sabe, não pudera vir, ocupado ou doente. Mas não custava avisar, mandar alguém com um recado.
Prometera buscá-la no começo da noite para comerem uma moqueca de peixe na barcaça, à moda baiana – cozinhar comida de azeite é comigo! – depois iriam ver o mar de ondas e arrebentação, mais além da barra, o mar de verdade, não aquele braço de rio.
Rio bonito, o Cotinguiba, não ia negar, largo, envolvendo a ilha dos Coqueiros, manso, ao lado da cidade, ancoradouro de grandes veleiros e de pequenos navios de carga; mas o mar – você vai ver, é outra coisa, não se compara – ah!, o mar é caminho sem fim, possui uma força indomável, um poder de tempestades, doçura de namorado ao ser espuma na areia. Não viera, porquê? Não tinha direito a tratá-la como uma mulherzinha qualquer, ela não lhe pedira para vir.
Nos dias anteriores, mestre Januário, ocupado na descarga da barcaça e em limpá-la para receber o novo carregamento – sacos de açúcar – ainda assim conseguira tempo para visitar Tereza, sentar-se com ela na Ponte do Imperador, contando-lhe histórias de saveiros e travessias, de temporais e naufrágios, acontecidos de cais, de candomblés, com mestres de saveiros e capoeiristas, mães-de-santo e orixás.
Falara das festas, por lá é festa o ano inteiro; a do Bom Jesus dos Navegantes, a primeiro de Janeiro, no mar da Boas Viagem, os saveiros acompanhando a galeota na ida e na vinda, e o samba comendo depois, durante dia e noite; a do Bomfim, de domingo a domingo na segunda semana de Janeiro com a procissão da lavagem na quinta feira, as mulas, os jumentos, os cavalos pejados de flores, as baianas com quartinhas e porrões cheios de água equilibrada sobre os torsos, as águas de Oxalá lavando a igreja de Nosso Senhor do Bonfim, um negro africano, o outro branco da Europa, dois santos distintos num só verdadeiro e baiano; a festa da Ribeira, imediatamente depois, prenúncio de Carnaval; a de Yemanjá, no rio Vermelho, a dois de Fevereiro, os presentes para a mãe-d’água sendo trazidos e acumulados nos enormes cestos de palha – perfumes, pentes, sabonetes, balangandãs, anéis e colares, um mundo de flores e cartas de peditório; mar calmo, peixe abundante, saúde, alegria e muito amor – desde pela manhã cedinho até à hora da maré vespertina quando os saveiros partem mar afora na procissão de Janaína, à frente a do mestre Flaviano conduzindo o presente principal, o dos pescadores. No meio do mar a Rainha espera, trajada de transparentes conchas azuis, na mão o abebé: odoia, Iemanjá, odoia!
Falava-lhe da Bahia, de como é a cidade nascida no mar, subindo pela montanha, cortada de ladeiras. E o Mercado? E Água dos Meninos? A Rampa, o cais do porto, a escola de capoeira onde aos domingos brincava com mestre Traíra, com Gato e Arnol, o terreiro de Bogun, onde fora levantado e confirmado ogan de Iansã – em sua abalizada opinião, Tereza deve ser filha de Iansã, sendo as duas iguais na coragem, na disposição: apesar de mulher, Iansã é santo valente, ao lado de seu marido Xangô empunhou as armas de guerra, não teme sequer os eguns, os mortos, é ela quem os espera e saúda com seu grito de guerra: Eparrei!
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