quinta-feira, fevereiro 24, 2011

TEREZA

BATISTA

CANSADA

DE

GUERRA


Episódio Nº 39



Da ponte, dos braços de Tereza, salta o marinheiro para o convés da barcaça, gigante de pé, com gosto de sal, aroma de maresia, algemas nos pulsos, grilhetas nos pés.

Estátua de pedra, imóvel Tereza, os olhos secos; o sol rolando nas cinzas do céu, crepúsculo de roxas tristezas, noite vazia de estrelas, a lua inútil para sempre e jamais. Nas velas a brisa veloz, o ronco do búzio na boca de mestre Januário Gereba no adeus mais pungente: adeus Tetá muçurumim, geme o som de grave acento; adeus Janu do bem-querer, responde um coração dilacerado na agonia da ausência. Águas de adeus, adeus, mar e rio, adeus; nas praias dos caranguejos, adeus, na rota dos náufragos, para nunca mais adeus.

O gigante de pé, o búzio rasgando o espaço, comandando a viração, lá se vai a barcaça Ventania deixando o cais de Aracaju, de Sergipe del-Rey, ao leme mestre Caetano Gunzá, junto ao mastro, fugitivo, Januário Gereba, pássaro de asas cortadas, preso em gaiola de ferro, grilhetas nos pés. No limite das águas do rio e do mar, riomar, o braço do gigante se alça, a grande mão acena. Adeus.

Estátua de pedra na ponte de velhas tábuas roídas pelo tempo, Tereza Batista ali permanece fincada, um punhal cravado no peito. A noite a envolve e penetra de trevas e vazio, de saudade e ausência, ai meu amor, mar e rio.


17


O dente de ouro, o coração de gelo, em gingas de capoeira e samba-de-roda, Tereza Batista, estrela candente do samba, fulgurante imperatriz do rebolado, finalmente estreia na noite do Paris Alegre, no primeiro andar do prédio do Vaticano, na zona de Aracaju, defronte do porto onde esteve ancorada a barcaça Ventania de mestre Caetano Gunzá – ainda ressoa no cais o grave som do búzio soprado na despedida por mestre Januário Gereba, vindo para quebrar um galho e para matar de amor quem estava sossegada, de coração tranquilo a refazer a vida. Aquelas gingas angolas fora ele quem as ensinara, embaixador de afoxé de Carnaval, passista de gafieira.

Em nenhuma outra ocasião, desde a festiva inauguração um ano atrás, se viu tão superlotada a sala do Paris Alegre e tão animada e garrida a juventude doirada de Aracaju.

Ao som estridente do Jaz-Bend da Meia-Noite acotovelam-se os pares na pista de baile. Nas mesas repletas, compensador consumo de cerveja, batidas, conhaque nacional, uísque falsificado, vinho do Rio Grande para os snobes. Íntegra, a corte de apaixonados: o pintor Jenner Augusto de olhos fundos de frete; o poeta José Saraiva com os versos dolentes, a tísica e uma flor colhida no passar; o cirurgião-dentista Jamil Najar, mago da prótese; o vitorioso rábula Lulu Santos e o feliz dono da casa e pretendente ao leito da estrela, Floriano Pereira, Flori Pachola. Na tocaia, candidato a invejável conjuntura de patrão.

Além dos quatro nominalmente citados, pelo menos mais duas dezenas de corações palpitantes e umas três de arretadas estrovengas, pulsavam na intenção da Divina Pastora de Samba (como se lia nas tabuletas coloridas). Sem citar aqueles que, por conveniência e discrição, não puderam comparecer em pessoa ao cabaré para aplaudir a estreia de Miss Samba (igualmente nas tabuletas de Flori).

Um, pelo menos, se fez representar: o senador e industrial, na opinião de economistas e da velha Adriana, o homem mais rico de Sergipe
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