segunda-feira, fevereiro 28, 2011

TEREZA

BATISTA
CANSADA
DE
GUERRA


Episodio Nº 42


Coisa de ver e não esquecer, camarada. Eu, Maximiano Silva, proclamado Maxi, Rei das Negras, vigia do Posto de Saúde de Buquim, sobrevivente e testemunha, ainda hoje fecho os olhos e enxergo Tereza, aquela formosura toda, levantando o saco do chão a gemer e a rezar, uma ferida só, o moço Zacarias. Fecho os olhos e vejo: lá vai ela equilibrando o peso no ombro, curvada, no rumo do lazareto. Tereza Medo Acabou, outro nome seu, talvez o primeiro que lhe deram, faz tempo, sabe o distinto como e porquê?


2


Tereza Batista não completara ainda treze anos quando sua tia Filipa a vendeu, por um conto e quinhentos, uma carga de mantimentos e um anel de pedra falsa, porém vistosa, a Justiniano Duarte da Rosa, capitão Justo, cuja fama de rico, valente e atrabiliário corria por todo o sertão e mais além. Onde arribasse o capitão com os seus galos de briga, a tropa de burros, os cavalos de sela, o caminhão e a peixeira, o maço de dinheiro e os capangas, sua fama chegara primeiro, na frente do cavalo baio, adiante do caminhão, abrindo campo aos bons negócios.

O capitão não era de muito discutir e amava constatar o respeito que sua presença impunha. “Estão se borrando de medo”, sussurrava satisfeito a Terto Cachorro, chofer e pistoleiro, foragido da justiça de Pernambuco. Terto puxava da faca, do rolo de fumo, o medo crescia em redor.

“Não paga a pena discutir com o capitão, quem mais discute mais perde, para ele a vida de um homem não vale dez-réis de mel coado.”

Contavam de mortes e tocaias, de trapaças nas brigas de galo, de falsificações nas contas do armazém, cobradas no sopapo por Chico Meia Sola, de terras adquiridas a preço de banana, sob ameaça de clavinote e punhal, de meninas estupradas no verdor dos cabaços, meninas eram o fraco de Justiniano Duarte da Rosa. Quantas já deflorara, menores de quinze anos? Um colar de argolas de ouro, sob a camisa do capitão, por entre a gordura dos peitos, vai tilintando nas estradas que nem chocalho de cascavel: cada argola uma menina – sem falar nas demais de quinze anos, essas não contam.


3


Justiniano Duarte da Rosa, na estica, terno branco, botas de couro, chapéu panamá, saltou da boleia de caminhão, estendeu por muito favor dois dedos a Rosalvo, a mão inteira a Filipa, com ela amável, um sorriso na cara redonda:

- Como vai, comadre? Posso merecer um copo de água?

- Tome assento, capitão, vou passar um cafezinho.

Pela janela da saleta pobre, o capitão brechava o olho cúpido na menina solta no capinzal, montada nas goiabeiras, em saltos e correrias, às voltas com o vira-lata. No alto da árvore mordia uma goiaba. Parecia um moleque, o corpo esguio, os peitos apenas despontando na chita da blusa, o saiote no meio das coxas longas. Magra e comprida, ainda tão sem jeito de mulher, a ponto dos garotos das vizinhanças, uns atrevidos de sabedoria acesa, na permanente caça às meninotas para os inícios do desejo na revelação dos primeiros toques, beijos e achegos, nem ligarem para Tereza – corriam com ela nos jogos de cangaço e de guerra e até a aceitavam de comandante, ágil e ousada por demais. Ganhava a todos na corrida, ligeira como ninguém, subia aos galhos mais altos. Nela tampouco despertara a malícia, nem sequer a curiosidade de ir com a aça
Jacira e a gorda Ceição espiar o banho dos rapazes, no rio.

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