TEREZA
BATISTA
CANSADA
DE
GUERRA
Episódio Nº 68
Nem sequer o menor resquício de respeito, como se ela não existisse. À noite, após o soturno jantar à luz dos candeeiros, o capitão foi buscar a novata no quarto onde a criança dormia:
-“Vambora” No fim do corredor, na fumaça vermelha do fifó, dona Brígida viu o Porco, desmedido, tenebroso, imundo, pela primeira vez ela o reconhecia. Trancou-se com a neta, mesmo antes da morte de Dóris já não estava de juízo perfeito.
O resfolgar do capitão atravessava as paredes. Filho-da-puta do Guedes, arrombara pela frente e por detrás.
Durante esse ano e meio após o falecimento de Dóris a Mula-Sem-Cabeça reaparece amiúde, de afilhada pela mão, mas apenas a enxerga na cancela, ou no caminho, dona Brígida a identifica. Basta vê-la e o mundo vira o Inferno povoado de demónios. Porque dona Brígida está pagando em vida os seus pecados.
Mula-Sem-Cabeça, rapariga de padre, sacrílega. Não engana tão pouco ao Porco, cujos roncos de raiva derrubam folhas das árvores, matam a criação do terreiro, os pássaros na mata.
- Não me traga carniça, já lhe disse que não como o resto dos outros… Lhe parto a cara cachorra…
Gritos e gemidos, o som das pancadas, o silvo da taca, uma negrinha uivando a noite inteira, no pescoço do Porco um colar de meninas, a argola maior, de ouro maciço, era Dóris.
A cabeça de dona Brígida cada vez mais pesada, ora no mundo, ora no Inferno, qual o pior? Onde aquela majestosa Senhor Dona Brígida, primeira-dama da comarca, viúva do benemérito doutor Ubaldo Curvelo, Rainha-mãe, a presidir ao casamento da filha única?
Baralham-se os acontecimentos na sua cabeça, o juízo fraco. Descuidou-se no vestir, manchas na saia e na blusa, chinelas velhas, cabelo em desalinho. Esquece factos e datas, mistura detalhes, a memória vai e vem, imprecisa e inconstante. Passa dias e dias ensimesmada, falando sozinha, nos cuidados da neta, de súbito um incidente qualquer e mergulha na alucinação. Os monstros a perseguem: à frente da corte infernal, o Porco que lhe devorou a filha e pretende devorar a neta.
Guarda exacta e inteira consciência do seu crime. Sim, porque ela, dona Brígida Curvelo, igual a Gabi-Mula-de-Padre, alimentou o Porco, igual a Terto Cachorro Lobisomem, levantou caça para Justiniano Duarte da Rosa, capitão dos Suínos e dos Demónios. Entregou-lhe a própria filha para que ele lhe sugasse o sangue, triturasse os ossos, comesse a carne pouca.
Não tentem inocentá-la por favor, dando-a por enganada vítima das circunstâncias, a tomar o capitão por um ser humano, a confundir o que era um sórdido ajuste de cama com nobres assuntos de casamento. Com razão ela está pagando em vida seus pecados, o crime cometido. Sabia a verdade desde o início, soube ao primeiro olhar de frete do capitão, nunca se deixara enganar – passara sem dormir noites a fio e exactamente então desenvolvera o dom de adivinhar os pensamentos e de prever o futuro.
Sabia, mas não quis saber, calou-se, engoliu sapos e cobras, tapou com um dedo a chaga da tísica no peito de Dóris, com outro tapou o sol, passou mão de amnistia sobre os malfeitos do capitão e conduziu a menina para o altar e à cama de solteira, no festim do casório.
O Porco a comia no almoço, no jantar, no café da manhã, cada refeição um pedaço. Tirando a barriga de prenha, Dóris foi ficando pequena e fina, no fim quase não houve o que enterrar. (clik na imagem e aumente-a)
-“Vambora” No fim do corredor, na fumaça vermelha do fifó, dona Brígida viu o Porco, desmedido, tenebroso, imundo, pela primeira vez ela o reconhecia. Trancou-se com a neta, mesmo antes da morte de Dóris já não estava de juízo perfeito.
O resfolgar do capitão atravessava as paredes. Filho-da-puta do Guedes, arrombara pela frente e por detrás.
Durante esse ano e meio após o falecimento de Dóris a Mula-Sem-Cabeça reaparece amiúde, de afilhada pela mão, mas apenas a enxerga na cancela, ou no caminho, dona Brígida a identifica. Basta vê-la e o mundo vira o Inferno povoado de demónios. Porque dona Brígida está pagando em vida os seus pecados.
Mula-Sem-Cabeça, rapariga de padre, sacrílega. Não engana tão pouco ao Porco, cujos roncos de raiva derrubam folhas das árvores, matam a criação do terreiro, os pássaros na mata.
- Não me traga carniça, já lhe disse que não como o resto dos outros… Lhe parto a cara cachorra…
Gritos e gemidos, o som das pancadas, o silvo da taca, uma negrinha uivando a noite inteira, no pescoço do Porco um colar de meninas, a argola maior, de ouro maciço, era Dóris.
A cabeça de dona Brígida cada vez mais pesada, ora no mundo, ora no Inferno, qual o pior? Onde aquela majestosa Senhor Dona Brígida, primeira-dama da comarca, viúva do benemérito doutor Ubaldo Curvelo, Rainha-mãe, a presidir ao casamento da filha única?
Baralham-se os acontecimentos na sua cabeça, o juízo fraco. Descuidou-se no vestir, manchas na saia e na blusa, chinelas velhas, cabelo em desalinho. Esquece factos e datas, mistura detalhes, a memória vai e vem, imprecisa e inconstante. Passa dias e dias ensimesmada, falando sozinha, nos cuidados da neta, de súbito um incidente qualquer e mergulha na alucinação. Os monstros a perseguem: à frente da corte infernal, o Porco que lhe devorou a filha e pretende devorar a neta.
Guarda exacta e inteira consciência do seu crime. Sim, porque ela, dona Brígida Curvelo, igual a Gabi-Mula-de-Padre, alimentou o Porco, igual a Terto Cachorro Lobisomem, levantou caça para Justiniano Duarte da Rosa, capitão dos Suínos e dos Demónios. Entregou-lhe a própria filha para que ele lhe sugasse o sangue, triturasse os ossos, comesse a carne pouca.
Não tentem inocentá-la por favor, dando-a por enganada vítima das circunstâncias, a tomar o capitão por um ser humano, a confundir o que era um sórdido ajuste de cama com nobres assuntos de casamento. Com razão ela está pagando em vida seus pecados, o crime cometido. Sabia a verdade desde o início, soube ao primeiro olhar de frete do capitão, nunca se deixara enganar – passara sem dormir noites a fio e exactamente então desenvolvera o dom de adivinhar os pensamentos e de prever o futuro.
Sabia, mas não quis saber, calou-se, engoliu sapos e cobras, tapou com um dedo a chaga da tísica no peito de Dóris, com outro tapou o sol, passou mão de amnistia sobre os malfeitos do capitão e conduziu a menina para o altar e à cama de solteira, no festim do casório.
O Porco a comia no almoço, no jantar, no café da manhã, cada refeição um pedaço. Tirando a barriga de prenha, Dóris foi ficando pequena e fina, no fim quase não houve o que enterrar. (clik na imagem e aumente-a)
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