TEREZA
BATISTA
CANSADA
DE
GUERRA
Episódio Nº 72
No decorrer dos dias e das meninas, ano e meio depois do enterro de Dóris, suja e rota, louca mansa, dona Brígida vive entre monstros de cordel, o Porco, o Lobisomem, a Mula-Sem-Cabeça. Perseguida por um torturante sentimento de culpa, autora de crime sem perdão contra a própria filha cândida e indefesa, ali o expia, o inferno em vida. Quando, porém, tiver cumprido a sentença inteira, purgado a pena ditada pelo Senhor, então o Anjo da Vingança baixará dos céus. Em infindáveis conversas consigo mesma, celebra o dia da libertação. Um anjo do céu, Senhor são Jorge, Senhor São Miguel, ou desesperado pai de filha estuprada, meeiro roubado nas costas, criador de galo de briga lesado em apostas, um cabra, um miserável qualquer, quem sabe o miserável qualquer, quem sabe o covarde Lobisomem, sangrará o Porco. Redimida enfim do pecado, dona Brígida partirá livre e rica para oferecer à neta o destino devido à sua estirpe.
Ah! que seja logo, antes da infanta transformar-se em menina no ponto do capitão, argola no colar de ouro. Detrás da mangueira, a criança contra o peito, cabelos desgrenhados, vestida de andrajos, dona Brígida perde a cena de vista, os monstros levaram a menina – os monstros estão soltos, povoam o campo, as plantações, o bosque, a casa, a terra inteira. Atiram o corpo dentro do quarto, trancam a porta por fora. O capitão cospe nas palmas das mãos, esfrega uma na outra.
Ah! que seja logo, antes da infanta transformar-se em menina no ponto do capitão, argola no colar de ouro. Detrás da mangueira, a criança contra o peito, cabelos desgrenhados, vestida de andrajos, dona Brígida perde a cena de vista, os monstros levaram a menina – os monstros estão soltos, povoam o campo, as plantações, o bosque, a casa, a terra inteira. Atiram o corpo dentro do quarto, trancam a porta por fora. O capitão cospe nas palmas das mãos, esfrega uma na outra.
15
O capitão mete a chave na fechadura, abre a porta do quarto, entra, muda a chave, tranca a porta por dentro, coloca o candeeiro no chão. Tereza se incorporou, está de pé, contra a parede de fundo, os lábios semi-abertos, atenta.
Justiniano Duarte da Rosa parece não levar pressa. Tira o paletó, pendura-o num prego, entre a taca e a oleografia da Anunciação, despe as calças, desata os cordões dos sapatos; dispensou a água para os pés naquela noite de festa – amanhã a nova moleca os lavará na bacia, antes da função começar. De cuecas e camisa desabotoada, a barriga solta, anéis nos dedos, colar no pescoço, toma do fifó, levanta-o, examina o prato e a caneca ali postos pela velha Guga cozinheira; o prato continua intacto, parte da água foi bebida. Com a luz pequena e suja inspecciona a mercadoria.
Cara, um conto e quinhentos mil-réis e mais o vale para o armazém. Não se arrepende, dinheiro bem empregado – bonita de cara, bem feita de corpo; ainda mais o será ao crescer em mulher no busto e nas ancas. Aliás, para o gosto de Justiniano Duarte da Rosa nada se compara ao verdor das meninas assim, ainda com gosto de leite materno, no dizer de Veneranda; Veneranda, espertalhona safada, mas de muito tutano na cabeça, conhecia macetes e libidinagens, usava palavras arrevesadas, importava estrangeiras para Aracaju, gringas sabidíssimas, faziam de um tudo, só que esse não é o momento de pensar em Veneranda, fosse se estourar nos infernos e levasse junto o governador do estado, seu xodó e protector.
Filipa falara certo: para encontrar mais bonita só indo à capital, quer dizer à Bahia, nem em Aracajú conseguiria assim tão perfeita, a cor assentada em cobre, os cabelos negros batendo nas costas, as pernas altas, uma pintura igual a certas estampas de santas, ali na parede tinha uma. Vale de sobra o preço, custou bom dinheiro mas não foi caro, é preciso distinguir.
O capitão passa a língua nos beiços, descansa a luz no chão, sombras se elevam – deita aí!, ordena. Deita aí! Repete. Estende o braço para obrigá-la, a menina se afasta sempre junto à parede, Justiniano ri, um riso curto: tu quer brincar de picula comigo, está com medo da zorra no meio das coxas?
Justiniano Duarte da Rosa parece não levar pressa. Tira o paletó, pendura-o num prego, entre a taca e a oleografia da Anunciação, despe as calças, desata os cordões dos sapatos; dispensou a água para os pés naquela noite de festa – amanhã a nova moleca os lavará na bacia, antes da função começar. De cuecas e camisa desabotoada, a barriga solta, anéis nos dedos, colar no pescoço, toma do fifó, levanta-o, examina o prato e a caneca ali postos pela velha Guga cozinheira; o prato continua intacto, parte da água foi bebida. Com a luz pequena e suja inspecciona a mercadoria.
Cara, um conto e quinhentos mil-réis e mais o vale para o armazém. Não se arrepende, dinheiro bem empregado – bonita de cara, bem feita de corpo; ainda mais o será ao crescer em mulher no busto e nas ancas. Aliás, para o gosto de Justiniano Duarte da Rosa nada se compara ao verdor das meninas assim, ainda com gosto de leite materno, no dizer de Veneranda; Veneranda, espertalhona safada, mas de muito tutano na cabeça, conhecia macetes e libidinagens, usava palavras arrevesadas, importava estrangeiras para Aracaju, gringas sabidíssimas, faziam de um tudo, só que esse não é o momento de pensar em Veneranda, fosse se estourar nos infernos e levasse junto o governador do estado, seu xodó e protector.
Filipa falara certo: para encontrar mais bonita só indo à capital, quer dizer à Bahia, nem em Aracajú conseguiria assim tão perfeita, a cor assentada em cobre, os cabelos negros batendo nas costas, as pernas altas, uma pintura igual a certas estampas de santas, ali na parede tinha uma. Vale de sobra o preço, custou bom dinheiro mas não foi caro, é preciso distinguir.
O capitão passa a língua nos beiços, descansa a luz no chão, sombras se elevam – deita aí!, ordena. Deita aí! Repete. Estende o braço para obrigá-la, a menina se afasta sempre junto à parede, Justiniano ri, um riso curto: tu quer brincar de picula comigo, está com medo da zorra no meio das coxas?
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