sexta-feira, abril 08, 2011

TEREZA

BATISTA


CANSADA


DE


GUERRA


Episódio Nº 76

Dera para lhe quebrar a vontade, só lhe quebrara as forças. Exausto o capitão, ainda não cedeu á fadiga, macho retado toda a vida, cobriu a menina, cabeça perversa, cabaço de ouro. Desmontou Tereza no canto dos galos. Doíam-lhe os bagos. Ah! filha-da-puta rebelde, mas até o ferro com pancada se dobra.
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O medo estampado no rosto das meninas na hora da verdade espicaça-lhe o desejo, dando-lhe dimensão mais profunda, raro sabor. Vê-las apavoradas, mortas de medo, uma delícia; ser obrigado a possui-las na raça, na força do tapa, um prazer dos deuses; o medo é o pai da obediência. Mas essa tal de Tereza, tão novinha, ah! em seus olhos o capitão não enxerga o medo; tanto lhe batera na primeira noite e só reconhecera a raiva, a rebeldia o ódio. De medo, nem sinal.
Justiniano Duarte da Rosa como todos sabiam – e respeitavam – era um desportista – criador de galos de briga, rei das apostas. Faz uma aposta consigo mesmo; se bem houvesse transporto os umbrais de Tereza, colhido mais um cabaço para a sua colecção de meninas, só irá a Aracajú, à ourivesaria de Abdon Carteado, encomendar a argola de ouro comemorativa quando houver ensinado o medo e o respeito à criatura indócil, quando a tiver domado a seus pés, atenta a suas ordens e caprichos, rendida e súplice, pronta a lhe abrir as coxas ao menor aceno e a pedir mais. Vai-lhe ensinar a fazer tudo quanto fazem as mulheres do castelo de Veneranda, as gringas. Dóris aprendera num instante, tornou-se mestra e devota, pena fosse magra e feia.
Tereza é uma estampa de santa, o capitão cobrará em dobro o seu rico dinheiro, tostão a tostão nem que tenha a surrá-la dez vezes por dia, outras tantas à noite. Há-de vê-la trémula de medo em sua frente. Irá então a Aracaju, à tenda de Abdon, encomendar a argola de ouro. Nos primeiros dias, além da tentativa de fuga, pouco mais sucedeu, pois o capitão guardara o leito, um dos ovos inchados, consequência do pontapé de Tereza – estivesse a bandida calçada e teria rendido Justiniano para o resto da vida.
Duas vezes por dia a velha Guga cozinheira abria a porta, entrava no quarto, trazendo um prato com feijão, farinha e carne seca, e a caneca com água, retirava o urinol para despejá-lo. Na primeira manhã, quando Guga apareceu para trazer o almoço, Tereza nem se moveu do colchão, quebrada, sem forças. Na obscuridade do quarto, Guga farejou o sangue, recolheu a taca, balançou a cabeça, falando sem parar:
- Que adianta contrariar o capitão? O melhor é satisfazer logo a vontade dele, para que diabo tu queres guardar esses três vinténs de merda? Para que serventia? Tu é muito menina, moderninha mesmo, um tico de gente se mete à baderneira. É melhor tu fazer as vontades dele. Tu apanhou muito, ouvi tu gritar. Tu pensa que alguém vai socorrer? Quem? A velha maluca? Tu é mais maluca que ela. Acaba com esse barulho que a gente precisa de dormir, não está para ouvir grito a noite toda. O que é que tu fez para o capitão cair na cama? Tu é maluca. Tu não pode sair do quarto é ordem dele.
Não posso sair do quarto é ordem dele: vamos ver se não posso. Quando no fim da tarde, a negra retornou, Tereza nem lhe deu tempo de entrar, precipitou-se pela porta aberta envolta no lençol, ganhou o mundo. Na sala, dona Brígida a viu passar, alma penada, resto de carniça do capitão, um dia Deus mandará o castigo. Benzeu-se, o Inferno em vida.

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