TEREZA
BATISTA
CANSADA
DE
GUERRA
Episódio Nº 89
O capitão não entendeu de imediato:
- Novilha, em casa? Qual, doutor?
- Falo da mocinha, sua criada. Estou precisando de copeira na usina.
- É uma protegida minha, doutor, órfã de pai e mãe que me entregaram para criar, não posso dispor. Se pudesse era sua; me desculpe não lhe servir.
Doutor Emiliano baixou a mão, com o rebenque de cabo de prata bateu de leve na perna:
- Não se fala mais nisso. Mande-me as vacas. Até mais ver.
Voz de mando antigo, senhor ancestral. Com as esporas de prata tocou na barriga do animal e na rédea o manteve erguido nas patas traseiras, soberbo!, e assim de pé o fez voltear; instintivamente o capitão recuou um passo. O doutor acenou em despedida, os cascos do cavalo tocaram o chão levantando poeira. Paciência! Fosse dele a cria e também não lhe poria preço; percebera-lhe um fulgor nos olhos, fulgor de diamante ainda bruto a ser lapidado por ourives capaz; mimo de tal quilate e rareza, escassa e singular. Ainda a vislumbrou, trouxa de roupa na cabeça, o requebro das ancas a caminho do ribeirão; a bunda começava a demonstrar-se. Bem cuidada, na abastança e no carinho, viria a ser uma perfeição, um capricho de Deus. Mas esse Justiniano, animal de baixo instinto, é incapaz de ver, polir e facetar arestas, de dar o verdadeiro valor ao bem que lhe coube por injustiça da sorte. Fosse do doutor Emiliano Guedes e ele a transformaria em jóia de rei, com perícia, trato, calma e prazer. Ah! a fulguração dos olhos negros, injustiça da sorte!
O capitão Justo, na varanda da casa, observa ao longe a árdega montaria, garanhão de raça e preço; há pouco, levantado sobre as patas traseiras, dera-lhe um susto – nos arreios de prata, o arrogante cavaleiro. Justiniano Duarte da Rosa brinca com o colar das argolas de ouro, cabaços colhidos ainda verdes frutos, o mais trabalhoso foi o de Tereza, na porrada o comeu. Tereza custara-lhe um conto e quinhentos mil reis, mais o vale para o armazém. Tereza novinha em folha, treze anos incompletos, Tereza com cheiro de leite e tampos de menina; se quisesse vendê-la descabaçada e tudo, venderia com lucro, ganhando dinheiro na transacção. Se quisesse vendê-la, doutor Emiliano Guedes, o mais velho dos Guedes, senhor de léguas de terras e de servos sem conta, pagaria bom preço para comer seu sobejo. Não pretendia vendê-la. Pelo menos por ora.
24
As chuvas do Inverno humedeceram a terra crestada, as sementes germinaram crescendo em lavouras, frutificaram as plantações. Nas trezenas e novenas dos santos festeiros, as moças entoavam cantigas, tiravam sortes de casamento, faziam promessas; nos caminhos das roças o som das harmónicas nas noites de dança, o espoucar dos foguetes – depois das rezas e rogos ao santo, o arrasta pé, o licor, a cachaça, os namoros, os xodós, corpos derrubados no mato entre protestos e risos.
Era o mês de Junho, o mês do milho, da laranja, da cana caiana, dos tachos de canjica, dos manuês, das pamonhas, dos licores de frutas, do licor de jenipapo, as mesas postas, os altares iluminados, Santo António casamenteiro, São João primo de Deus, São Pedro, devoção dos viúvos, as escolas em férias. Mês de emprenhar as mulheres. (clik na imagem e aumente)
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