quinta-feira, junho 09, 2011

TEREZA


BATISTA

CANSADA

DE

GUERRA



Episódio Nº 122



Novinha, verdosa, nos limites do colar do capitão, se for donzela, é claro.

- Reservei para vossa senhoria, capitão, nos cueiros como lhe apetita. Não vou querer-lhe enganar dizendo que é manceba, os três vinténs já lhe comeram, é gente das bandas da usina e por lá, sabe como é, donzela não amadurece cabaço. Mas está fresca e limpa, ainda não andou na vida, não tem doença, para donzela falta pouco.

Filhos-da-puta dos Guedes, sempre um dos três de prontidão na usina, os outros dois folgando na Bahia, no Rio, em São Paulo, quando não na América ou na América do Norte; revezam-se no trabalho e na colheita de virgens.

Dos três, o mais efectivo na direcção dos negócios é o doutor Emiliano, é quem manda de facto; o mais exigente também quanto ao aspecto das molecas, não aceita qualquer, para ele as escolhidas a dedo. Mesmo se estivesse na usina em vez de estar gastando com as gringas em França, não seria ele a chamar aos peitos aquela roxa de nariz chato. Era enganjento de mais.

- Quem lhe fez o serviço?

- Seu Marcos…

- Marcos Lemos? Filho-da-puta!

Quando não é um dos donos, são os empregados. Até do guarda-livros vai comer sobejo o capitão, sobejo de usina, açúcar mascavo, melaço impuro. Em casa, porém, na cidade, possui moleca de luxo, cara e corpo para ninguém botar defeito, a moça mais bonita do lugar, não há na cidade, nas roças, na usina, rica, pobre, remediada, donzela, furada, rapariga, outra assim.

Não que ao capitão faça mossa, bonitona ou feiosa, sendo nova lhe fala ao apetite, porém lhe agrada saber que o doutor Emiliano Guedes, o mais velho dos irmãos, o chefe da tribo, o dono da terra, arrogante em seu cavalo negro com arreios de prata, está disposto a gastar para tê-la, não faz questão de dinheiro.

A fadiga das maneiras e a insolvência da voz – não quer vender essa cria? – não conseguem encobrir o interesse, a cobiça: seu preço é o meu. A quem pertence essa tão bonita e desejada, com lista de espera na pensão de Gabi e desfile de fregueses no armazém? A Justiniano Duarte da Rosa, dito capitão Justo por ser proprietário de glebas, de cabeças de gado, de sortido armazém e de galos de briga. Um dia, no crescer das léguas de terra, do crédito nos bancos, das casa de aluguel, do prestígio político será o coronel justiniano, um prócer verdadeiro, tão rico e influente quanto os Guedes.

Um dia falará com eles de igual para igual e então poderá discutir de crias e de cabaços, e até efectuar trocas de raparigas sem que sinta na boca o sabor amargo do sobejo. Um dia, por ora não.

- Tereza, vem cá.

O ferro suspenso na mão ela ouve o chamado. Meu Deus terá coragem de suportar? O medo ainda a envolve como um lençol, envolta num lençol fugira a primeira vez. Porque não fugir com Daniel para longe dali, da cama de casal, da voz e da presença do capitão, para longe da palmatória, da taca, do ferro de engomar? Do ferro de ferrar gado para ferrar aquela que um dia ousasse enganá-lo, mas qual se atreveria? Nenhuma tão louca. Atreveu-se Tereza louca da silva.

Descansa o ferro, dobra a peça de roupa, faz das tripas coração
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