TEREZA
BATISTA
CANSADA
DE
GUERRA
Episódio Nº 139
Só no tempo do doutor (e de começo também dele duvidara) haveria Tereza de volver a confiar na vida e nas criaturas. Porque aceitara partir com Emiliano Guedes quando ele a foi buscar na pensão de Gabi e, tomando-lhe da mão, lhe disse: esqueça o que se passou, agora vai começar vida nova? Para escapar da fila de clientes, crescendo a cada dia, interminável? Se fosse apenas por isso, poderia tê-lo feito antes, pois Marcos Lemos não lhe propunha outra coisa, todos os dias sem falhar nenhum, senão ir viver com ele, de amásia livre da freguesia e da pensão. Uma única vez, ainda na roça, vira o doutor e no entanto não discutiu nem relutou, porquê? Por ser ele, de todos os homens a quem conhecera, o mais atraente, não o mais bonito da fácil boniteza de Dan e, sim, o mais belo, possuindo uma áurea interior, algo naquela época inexplicável e indefinível para Tereza? Por sua força de mando, imperioso domínio? Porquê, Tereza não soube nunca: apesar do temor de mais uma vez enganar-se, ela o acompanhara e jamais teve razão de arrependimento, esqueceu o passado, começou vida nova como ele dissera; com o doutor aprendeu inclusive a julgar-se sem preconceitos.
Assim pôde julgar o doutor Oto Espinheira; ao contrário de Dan, não utilizava a lábia fluente para atraí-la, prometendo-lhe céus e terras, permanente carinho, afecto prolongado e profundo, não falara em amor; convidando-a tão-somente para uma partida de prazer, simples excursão ao interior, possivelmente divertida.
Por ele lhe prometer tão pouco, resolveu Tereza aceitar, não teria razões de decepção, pois não alimentava sobre o companheiro de rota quaisquer ilusões. Agradável e brincalhão, ajudava-a a ir-se de Aracaju, escapando ao cerco, às solicitações e ameaças do industrial – postulante milionário, mandara-lhe cortes de fazenda de suas fábricas e pequenas jóias de valor; Tereza devolveu os regalos, doutor Emiliano não gostaria de vê-la na cama e nas mãos do senador.
H
Havia em Estância um sobradão colonial, maltratado pelo tempo e pelo descaso, todo pintado de azul, e o doutor na calma da tarde, chamava a atenção de Tereza para aquela maravilha de arquitectura, apontando detalhes da construção, ensinando sem parecer fazê-lo, levando-a a enxergar o que sozinha não saberia reconhecer e estimar. Já não a mantinha escondida, ao contrário, fez questão de ser visto com ela, de mostrar-se a seu lado.
O industrial (ainda não fora eleito senador) baixote e champrudo, em passo miudinho atravessara a rua para cumprimentar o doutor Emiliano Guedes, demorando-se a conversar, palavroso, irrequieto, eufórico, desnudando Tereza com os olhos cúpidos.
O doutor encurtara a conversa, cortês porém breve, monossilábico e, por mais que o outro insinuasse uma apresentação, manteve Tereza sempre à margem do encontro, como se não a quisesse tocada sequer pelas pontas dos dedos, por uma frase, uma palavra, um gesto de parrudo ricaço. Ao vê-lo novamente partir, comentara com inusitada rudeza:
- Ele é como a bexiga, corrompe tudo em que toca; quando não mata marca de pus. Bexiga negra, contagiosa.
Para fugir ao contágio do renegado industrial, Tereza viera para Buquim, na bagagem do médico do posto de saúde, sob o rótulo de rapariga, quando a outra bexiga, a verdadeira, ali desembarcou para exterminar o povo. (clik na imagem)
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