TEREZA
BATISTA
CANSADA
DE
GUERRA
Episódio Nº 140
Antes essa podridão e morte, todavia; pior era viver com alguém sem outro interesse além do dinheiro. Exercer ofício de mulher-dama é uma coisa: não impõe obrigação, não implica em intimidade, não deixa marca; outra, muito diferente é conviver, é conviver em amásia de cama e mesa, em mentirosos ardores de amante, em representação de amiga. Amiga, doce palavra, cujo significado aprendera com o doutor. Amigo e amiga tinham sido, em perfeita amigação, ela e o doutor Emiliano Guedes.
Com nenhum outro dera certo, tão pouco com Ota Espinheira, doutorzinho de pouco saber e limitado encanto. Ai, Januário Gereba, onde andarás, amante, amigo, amor, por que não vens me buscar, por que me deixas fenecer nos limites da podridão?
I
Intimidade, nenhuma, muito menos amor. As relações de Tereza Batista com o doutor Oto Espinheira não passaram de convivência superficial logo rompida pelos acontecimentos.
Melhor assim, pensou Tereza, sozinha frente à bexiga solta e fatal do que no castigo da cama errada: nem enxerga de prostituta nem leito de amante. Sendo incapaz da luxúria pura e simples, para entregar-se com ânsia, para abrir-se em gozo, necessitava de afecto profundo, de amor; só assim nela se acende o desejo em labaredas e em febre, não havendo então mulher como Tereza.
Devia estar muito perdida e confusa em Aracaju quando imaginou encontrar prazer e alegria no trato e na cama do doutorzinho de rosto de boneco, bonitinho e cínico, sem sentir por ele pulsar o coração; seu coração não voltara a pulsar desde a partida da barcaça Ventania levando ao leme mestre Januário Gereba para o porto da Bahia.
Parecendo livre como o vento, o marujo tinha algemas nos pulsos, grilhetas nos pés.
Tereza viera com o médico para fugir às ameaças do ricaço, para evitar perseguições, não ser de novo escorraçada e batida, acreditando estouvadamente na possibilidade de serena temporada sem obrigações ou compromissos maiores.
Melhor teria feito retornar a Maceió ou a Recife para exercer de mulher-dama, não lhe faltaram propostas durante a excursão; donas-de-pensão, casteleiras, caftinas aos montes atrás dela. Recusara as ofertas, tentando manter-se com os proveitos de dançarina, mas nos cabarés a paga é mísera, quase simbólica, não passando canto e dança para cobertura de prostituição mais cara, menos declarada e patente; tolice querer viver do trabalho de artista, valendo tão-somente o título e as palmas para cobrar mais caro o michê.
Em Aracaju, Flori lhe pagara salário fora do comum na esperança de conquistá-la, na loucura da paixão; agora fazia o mesmo com Raquel Klaus, perdendo dinheiro – dessa vez, pelo menos, pagando e comendo. Na excursão, porém, os donos dos cabarés lhe ofereciam remuneração miserável e, se ela achava pouco, aconselhavam-na a completar o ordenado com os generosos frequentadores da casa: título da artista, nome em tabuleta e em anúncio e nota em jornal valorizam a mulher e aquelas capazes de bem se administrar fazem a praça com real sucesso e receita farta. Tivera assim Tereza de exercer escoteira, mundo afora, um cansaço a doer-lhe no corpo, a saudade a comê-la por dentro.
Com nenhum outro dera certo, tão pouco com Ota Espinheira, doutorzinho de pouco saber e limitado encanto. Ai, Januário Gereba, onde andarás, amante, amigo, amor, por que não vens me buscar, por que me deixas fenecer nos limites da podridão?
I
Intimidade, nenhuma, muito menos amor. As relações de Tereza Batista com o doutor Oto Espinheira não passaram de convivência superficial logo rompida pelos acontecimentos.
Melhor assim, pensou Tereza, sozinha frente à bexiga solta e fatal do que no castigo da cama errada: nem enxerga de prostituta nem leito de amante. Sendo incapaz da luxúria pura e simples, para entregar-se com ânsia, para abrir-se em gozo, necessitava de afecto profundo, de amor; só assim nela se acende o desejo em labaredas e em febre, não havendo então mulher como Tereza.
Devia estar muito perdida e confusa em Aracaju quando imaginou encontrar prazer e alegria no trato e na cama do doutorzinho de rosto de boneco, bonitinho e cínico, sem sentir por ele pulsar o coração; seu coração não voltara a pulsar desde a partida da barcaça Ventania levando ao leme mestre Januário Gereba para o porto da Bahia.
Parecendo livre como o vento, o marujo tinha algemas nos pulsos, grilhetas nos pés.
Tereza viera com o médico para fugir às ameaças do ricaço, para evitar perseguições, não ser de novo escorraçada e batida, acreditando estouvadamente na possibilidade de serena temporada sem obrigações ou compromissos maiores.
Melhor teria feito retornar a Maceió ou a Recife para exercer de mulher-dama, não lhe faltaram propostas durante a excursão; donas-de-pensão, casteleiras, caftinas aos montes atrás dela. Recusara as ofertas, tentando manter-se com os proveitos de dançarina, mas nos cabarés a paga é mísera, quase simbólica, não passando canto e dança para cobertura de prostituição mais cara, menos declarada e patente; tolice querer viver do trabalho de artista, valendo tão-somente o título e as palmas para cobrar mais caro o michê.
Em Aracaju, Flori lhe pagara salário fora do comum na esperança de conquistá-la, na loucura da paixão; agora fazia o mesmo com Raquel Klaus, perdendo dinheiro – dessa vez, pelo menos, pagando e comendo. Na excursão, porém, os donos dos cabarés lhe ofereciam remuneração miserável e, se ela achava pouco, aconselhavam-na a completar o ordenado com os generosos frequentadores da casa: título da artista, nome em tabuleta e em anúncio e nota em jornal valorizam a mulher e aquelas capazes de bem se administrar fazem a praça com real sucesso e receita farta. Tivera assim Tereza de exercer escoteira, mundo afora, um cansaço a doer-lhe no corpo, a saudade a comê-la por dentro.
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