HOJE É
DOMINGO
(Da minha cidade de Santarém)
Talvez em tempo de férias devesse estar na praia nesta manhã de Domingo de fins do mês de Julho. No entanto, cá estou sentado à mesa do meu Café, como é habitual, na minha cidade de Santarém.
Há duas semanas atrás deixei-vos aqui uma história de um jovem, vítima inocente da sua paixão. Foi uma história inventada, tal como eram inventadas as histórias que a minha avó me contava quando eu era criança. De resto, devo dizer-vos que não faço grande diferença entre histórias inventadas e verdadeiras. A grande diferença entre umas e outras é a forma como as contamos: umas bem e outras assim-assim.
Para além desta diferença qualquer outra é irrelevante, não conta, não interessa, bem vistas as coisas nem tão pouco existem. A imaginação limita-se a recriar a realidade, nada verdadeiramente é inventado, tudo aconteceu ou podia ter acontecido. Como é que uma só pessoa, neste caso quem conta a história, podia abarcar as vidas de todas as pessoas no mundo?
Um amigo meu perguntou-me quem era aquele rapaz vítima da sua paixão cuja história aqui deixei faz hoje quinze dias...
A Tereza Batista, o Jorge Amado a conheceu, como já tinha conhecido a Tieta. Ambas vieram da realidade da vida que se vivia naquela época para os lados da cidade da Bahia daquele imenso Brasil. Não tenho nenhuma dúvida que existiram e por isso, nós, os leitores da história, nos apaixonámos por elas.
Nos filmes e no teatro, os actores transformam-se nos personagens, na leitura é a imaginação do leitor que lhes traça o rosto e a figura sob a superior orientação do escritor mas tudo é real, tudo é verdadeiro.
A história que vou começar a contar hoje também é verdadeira, tem cunho pessoal, passou-se comigo em África, Angola, em Novembro do Ano de 1963.
Estávamos em guerra por decisão de Salazar em resposta às atrocidades cometidas às ordens de Holden Roberto, líder político da UPA (União dos Povos de Angola). Muitas dezenas de pessoas, brancos e negros, mulheres e crianças foram mortos à catanada, selvaticamente, em 15 de Março de 1961, no norte de Angola, com o objectivo de criar um clima de terror que fizesse os portugueses fugir de Angola com medo.
Os portugueses não fugiram, mandaram embora as mulheres e as crianças que tinham sobrevivido ao massacre, puseram uma arma ao ombro e responderam à violência com violência, a mesma violência. Foram treze anos de guerra…
Eu cheguei no princípio do mês de Dezembro de 1962, era um jovenzinho como todos os outros mas como tinha estudos, o que nessa época era raro, fui como oficial miliciano.
Em Novembro do ano seguinte fui fazer a minha última operação de guerra no norte de Angola antes de seguir para outro local do território que sempre estivera em paz.
Era assim, a primeira parte da comissão na guerra, a segunda, com as tropas já desfalcadas pelas baixas e psicologicamente muito afectadas, era na paz, em zonas onde não havia conflitos. O seu lugar na zona da guerra era preenchido por outras tropas, “fresquinhas” e inexperientes - os "maçaricos", pele branquinha, maná para os mosquitos que os esperavam ávidos de sangue - desembarcadas no cais de Luanda vindas de Portugal.
Novembro de 1963. Eu ia fazer a minha última operação, depois regressaria a Luanda e então seguiria para outro destino aguardando que chegasse ao fim a minha comissão para ser devolvido ao meu país, à minha família, aos meus amigos… à minha terra.
Mas naquele mês de Novembro iria acontecer a “minha grande operação” a última, numa região onde nunca estivera, com outras tropas que não conhecia, organizada no papel e comandada das avionetas pelos oficiais do Quartel-General em Luanda.
Era uma oportunidade para as chefias militares sedeadas no ar condicionado de fazerem a sua própria guerra, concebendo e realizando Operações que eram desencadeadas em locais escolhidos por serem considerados importantes do ponto de vista estratégico e envolviam grande número de efectivos.
Nessas Operações, oficiais superiores, Majores ou Tenente-Coronéis, dentro de pequenas avionetas, ao lado dos pilotos, sobrevoavam a zona onde as tropas operavam tentando fazer o acompanhamento que não era fácil porque cá em baixo era um ininterrupto tapete verde.
Para terem uma ideia da movimentação dos grupos de combate no terreno e da sua localização, davam ordens pela rádio para que fossem lançadas granadas de fumo, bem do desagrado das tropas que operavam no terreno porque tinham de interromper a marcha e correrem o risco de que esses sinais fossem também notados pelos guerrilheiros.
Percebíamos, no entanto, que essa era a maneira desses senhores oficiais participarem mais directamente na guerra sem o esforço e risco inerentes e ao mesmo tempo poderem enriquecer o seu currículo militar…
Continuarei de hoje a uma semana para não vos maçar mais por agora… até lá um Bom Domingo a todos.
(Da minha cidade de Santarém)
Talvez em tempo de férias devesse estar na praia nesta manhã de Domingo de fins do mês de Julho. No entanto, cá estou sentado à mesa do meu Café, como é habitual, na minha cidade de Santarém.
Há duas semanas atrás deixei-vos aqui uma história de um jovem, vítima inocente da sua paixão. Foi uma história inventada, tal como eram inventadas as histórias que a minha avó me contava quando eu era criança. De resto, devo dizer-vos que não faço grande diferença entre histórias inventadas e verdadeiras. A grande diferença entre umas e outras é a forma como as contamos: umas bem e outras assim-assim.
Para além desta diferença qualquer outra é irrelevante, não conta, não interessa, bem vistas as coisas nem tão pouco existem. A imaginação limita-se a recriar a realidade, nada verdadeiramente é inventado, tudo aconteceu ou podia ter acontecido. Como é que uma só pessoa, neste caso quem conta a história, podia abarcar as vidas de todas as pessoas no mundo?
Um amigo meu perguntou-me quem era aquele rapaz vítima da sua paixão cuja história aqui deixei faz hoje quinze dias...
A Tereza Batista, o Jorge Amado a conheceu, como já tinha conhecido a Tieta. Ambas vieram da realidade da vida que se vivia naquela época para os lados da cidade da Bahia daquele imenso Brasil. Não tenho nenhuma dúvida que existiram e por isso, nós, os leitores da história, nos apaixonámos por elas.
Nos filmes e no teatro, os actores transformam-se nos personagens, na leitura é a imaginação do leitor que lhes traça o rosto e a figura sob a superior orientação do escritor mas tudo é real, tudo é verdadeiro.
A história que vou começar a contar hoje também é verdadeira, tem cunho pessoal, passou-se comigo em África, Angola, em Novembro do Ano de 1963.
Estávamos em guerra por decisão de Salazar em resposta às atrocidades cometidas às ordens de Holden Roberto, líder político da UPA (União dos Povos de Angola). Muitas dezenas de pessoas, brancos e negros, mulheres e crianças foram mortos à catanada, selvaticamente, em 15 de Março de 1961, no norte de Angola, com o objectivo de criar um clima de terror que fizesse os portugueses fugir de Angola com medo.
Os portugueses não fugiram, mandaram embora as mulheres e as crianças que tinham sobrevivido ao massacre, puseram uma arma ao ombro e responderam à violência com violência, a mesma violência. Foram treze anos de guerra…
Eu cheguei no princípio do mês de Dezembro de 1962, era um jovenzinho como todos os outros mas como tinha estudos, o que nessa época era raro, fui como oficial miliciano.
Em Novembro do ano seguinte fui fazer a minha última operação de guerra no norte de Angola antes de seguir para outro local do território que sempre estivera em paz.
Era assim, a primeira parte da comissão na guerra, a segunda, com as tropas já desfalcadas pelas baixas e psicologicamente muito afectadas, era na paz, em zonas onde não havia conflitos. O seu lugar na zona da guerra era preenchido por outras tropas, “fresquinhas” e inexperientes - os "maçaricos", pele branquinha, maná para os mosquitos que os esperavam ávidos de sangue - desembarcadas no cais de Luanda vindas de Portugal.
Novembro de 1963. Eu ia fazer a minha última operação, depois regressaria a Luanda e então seguiria para outro destino aguardando que chegasse ao fim a minha comissão para ser devolvido ao meu país, à minha família, aos meus amigos… à minha terra.
Mas naquele mês de Novembro iria acontecer a “minha grande operação” a última, numa região onde nunca estivera, com outras tropas que não conhecia, organizada no papel e comandada das avionetas pelos oficiais do Quartel-General em Luanda.
Era uma oportunidade para as chefias militares sedeadas no ar condicionado de fazerem a sua própria guerra, concebendo e realizando Operações que eram desencadeadas em locais escolhidos por serem considerados importantes do ponto de vista estratégico e envolviam grande número de efectivos.
Nessas Operações, oficiais superiores, Majores ou Tenente-Coronéis, dentro de pequenas avionetas, ao lado dos pilotos, sobrevoavam a zona onde as tropas operavam tentando fazer o acompanhamento que não era fácil porque cá em baixo era um ininterrupto tapete verde.
Para terem uma ideia da movimentação dos grupos de combate no terreno e da sua localização, davam ordens pela rádio para que fossem lançadas granadas de fumo, bem do desagrado das tropas que operavam no terreno porque tinham de interromper a marcha e correrem o risco de que esses sinais fossem também notados pelos guerrilheiros.
Percebíamos, no entanto, que essa era a maneira desses senhores oficiais participarem mais directamente na guerra sem o esforço e risco inerentes e ao mesmo tempo poderem enriquecer o seu currículo militar…
Continuarei de hoje a uma semana para não vos maçar mais por agora… até lá um Bom Domingo a todos.
(Na imagem o edifício da Câmara Municipal de Santarém)
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home