TEREZA
BATISTA
CANSADA
DE
GUERRA
Episódio Nº 154
U
Uma surpresa aguardava Tereza ao regressar naquele fim de tarde, em sua estreia de enfermeira: encontrou Oto entregue às baratas, o bucho cheio de cachaça, a boca mole, a fala engrolada. Após a perspectiva de eleitorado e a visão de um varioloso em busca de atendimento no posto, o doutorzinho escondido em casa esvaziou uma garrafa de branquinha; de fraca resistência ao álcool, de bebedeira fácil, ao ver Tereza entrar toda animada, disposta à narrativa das peripécias da vacinação, se afastou aos trambolhões:
- Não me toque, por favor, se lave primeiro, com álcool, o corpo todo.
Continuara a beber enquanto ela tomara banho; não quis comer, encolhido na cadeira, resmungando. Manteve-se afastado de Tereza até encornar; ela o pôs no leito vestido como estava.
No dia seguinte saiu antes dele acordar e já não se falaram quase. Nunca mais ele a tocou e nos dias em que ali ainda permaneceu, lutando na cachaça entre o desejo e a vergonha de fugir, Oto dormiu sozinho, num sofá, na sala à espera que ela fosse embora, deixando-o só, sem aquela presença acusadora. Sim, acusadora, pois saía cada manhã cedinho a ajudar doutor Evaldo e Maximiano, voltando tarde da noite moída de cansaço, enquanto ele demorava menos tempo no posto de saúde, onde crescia o número de doentes em busca de permanganato, cafiaspirina, álcool canforado. Para o doutor, cachaça era o único remédio.
Quando um dia Tereza o acordou do porre para lhe anunciar o fim do estoque das vacinas e a necessidade dele sair a atender doentes, pois doutor Evaldo já não dava conta, o doutorzinho armou seu plano: ir a Aracaju a pretexto de buscar vacinas, lá adoecer – gripe, cólica, anemia, febre louca, qualquer moléstia lhe servia – e pedir substituto para a direcção do posto de Buquim. Viera abaixo por completo: a barba por fazer, os olhos injectados, a voz pastosa, perdidos os resquícios de delicadeza.
Quando Tereza lhe disse, com certa rispidez para largar a garrafa, sair à rua para cumprir seu dever de médico e, seguindo o exemplo do doutor Evaldo, visitar os doentes nas casas, respondia aos berros:
- Vá-se embora daqui, vá pró inferno, puta escrota.
- Daqui não saio. Tenho muito que fazer.
Deu-lhe as costas, cansada, foi dormir. Livre pelo menos do desejo do doutorzinho a quem os encantos de Tereza não mais tentam, bêbado e broxa no medo da bexiga.
Quando o doutor Evaldo baqueou, faltando-lhe o coração, não a coragem, na hora da morte a reclamar vacinas, o jovem médico não esperou pelo enterro do colega – vou em busca de socorro, vou trazer vacinas, vou ali já volto, vou depressa, vou correndo, vou. Sem bagagem, às escondidas, no apito do trem escafedeu-se para a estação e embarcou para a Bahia.
O trem para Aracaju só passaria daí a quatro horas, não era louco de esperar, de permanecer por um minuto a mais naquela terra de morte negra e mulher maluca e desgraçada, tomara que a bexiga a coma inteira. (clik na imagem e aumente)
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Uma surpresa aguardava Tereza ao regressar naquele fim de tarde, em sua estreia de enfermeira: encontrou Oto entregue às baratas, o bucho cheio de cachaça, a boca mole, a fala engrolada. Após a perspectiva de eleitorado e a visão de um varioloso em busca de atendimento no posto, o doutorzinho escondido em casa esvaziou uma garrafa de branquinha; de fraca resistência ao álcool, de bebedeira fácil, ao ver Tereza entrar toda animada, disposta à narrativa das peripécias da vacinação, se afastou aos trambolhões:
- Não me toque, por favor, se lave primeiro, com álcool, o corpo todo.
Continuara a beber enquanto ela tomara banho; não quis comer, encolhido na cadeira, resmungando. Manteve-se afastado de Tereza até encornar; ela o pôs no leito vestido como estava.
No dia seguinte saiu antes dele acordar e já não se falaram quase. Nunca mais ele a tocou e nos dias em que ali ainda permaneceu, lutando na cachaça entre o desejo e a vergonha de fugir, Oto dormiu sozinho, num sofá, na sala à espera que ela fosse embora, deixando-o só, sem aquela presença acusadora. Sim, acusadora, pois saía cada manhã cedinho a ajudar doutor Evaldo e Maximiano, voltando tarde da noite moída de cansaço, enquanto ele demorava menos tempo no posto de saúde, onde crescia o número de doentes em busca de permanganato, cafiaspirina, álcool canforado. Para o doutor, cachaça era o único remédio.
Quando um dia Tereza o acordou do porre para lhe anunciar o fim do estoque das vacinas e a necessidade dele sair a atender doentes, pois doutor Evaldo já não dava conta, o doutorzinho armou seu plano: ir a Aracaju a pretexto de buscar vacinas, lá adoecer – gripe, cólica, anemia, febre louca, qualquer moléstia lhe servia – e pedir substituto para a direcção do posto de Buquim. Viera abaixo por completo: a barba por fazer, os olhos injectados, a voz pastosa, perdidos os resquícios de delicadeza.
Quando Tereza lhe disse, com certa rispidez para largar a garrafa, sair à rua para cumprir seu dever de médico e, seguindo o exemplo do doutor Evaldo, visitar os doentes nas casas, respondia aos berros:
- Vá-se embora daqui, vá pró inferno, puta escrota.
- Daqui não saio. Tenho muito que fazer.
Deu-lhe as costas, cansada, foi dormir. Livre pelo menos do desejo do doutorzinho a quem os encantos de Tereza não mais tentam, bêbado e broxa no medo da bexiga.
Quando o doutor Evaldo baqueou, faltando-lhe o coração, não a coragem, na hora da morte a reclamar vacinas, o jovem médico não esperou pelo enterro do colega – vou em busca de socorro, vou trazer vacinas, vou ali já volto, vou depressa, vou correndo, vou. Sem bagagem, às escondidas, no apito do trem escafedeu-se para a estação e embarcou para a Bahia.
O trem para Aracaju só passaria daí a quatro horas, não era louco de esperar, de permanecer por um minuto a mais naquela terra de morte negra e mulher maluca e desgraçada, tomara que a bexiga a coma inteira. (clik na imagem e aumente)
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