sábado, julho 30, 2011

TEREZA

BATISTA

CANSADA

DE

GUERRA






Episódio Nº 166




Sempre tão reservado de referência à família, de súbito Emiliano se abrira num relato de mágoas, desgostos a granel, falta de compreensão e carinho, espantosa solidão de lar sem afecto – a voz ferida, triste, colérica. Não possuía, em verdade outra família que não Tereza, única alegria de quem finalmente se confessava velho e cansado, sem contudo imaginar-se às portas da morte. Se o soubesse teria antecipado a conversa e as providências anunciadas. Nunca Tereza pedira ou reclamara fosse o que fosse, bastando-lhe a presença e a ternura do doutor.

Ai, Emiliano, como viver sem mais aguardar a tua chegada sempre imprevisível, sem correr para a porta do jardim ao reconhecer teu passo de senhor, ao ouvir a tua voz de dono, sem me acolher no remanso do teu peito e receber teu beijo, sentindo nos lábios a cócega do bigode e a ponta cálida da língua? Como viver sem ti, Emiliano? Não me importam a pobreza, a miséria, o trabalho duro, o prostíbulo outra vez, a vida errante, só me importa a tua ausência, não mais ouvir tua fala, teu riso largo rolando nas salas, no jardim, em nosso quarto, não sentir o contacto das tuas mãos leves e pesadas, lentas e rápidas, agora frias mãos de morto, nem o calor do teu beijo, a certeza da tua confiança, o privilégio de tua convivência. A outra será viúva, eu estou viúva e órfã.

Só hoje soube ter sido amor à primeira vista o que senti por ti; me dei conta de repente. Ao ver chegar na roça do capitão, todo vestido de prata, o falado doutor Emiliano Guedes, da Usina Cajazeiras, reparei num homem e o achei bonito, nunca havia reparado antes. Agora só me resta recordar. Mais nada, Emiliano.

Cavalgando negra montaria, arreios de prata luzindo ao sol, altas botas e o dom de mando, assim o viu Tereza aproximar-se da casa da roça e, embora simples menina, ignorante, escravizada, constatou a distância a separá-lo de todos os demais.

Na sala lhe serviu café passado na hora e o doutor Emiliano Guedes, de pé, o rebenque na mão, cofiou o bigode ao enxergá-la e a mediu de cima a baixo. Junto a ele o terrível capitão não era ninguém, um servo às ordens, um bajulador. Ao sentir o peso dos olhos do usineiro acendeu-se em Tereza uma faísca e o doutor a pressentiu. Indo com a trouxa de roupa para o ribeirão, ainda o avistou galopando na estrada, sol e prata, e na altaneira visão Tereza lavou os olhos da mesquinhez em torno.

Tempos depois, ao conhecer Dan, por ele se apaixonando feito louca, de cabeça virada pelo estudante bonito e sedutor, recordara a figura do usineiro, comparando os dois sem se dar conta.

Tudo aquilo acontecera num tempo desolado e quando o capitão surgiu no quarto inesperadamente, empunhando os chifres e a taca, o doutor Emiliano Guedes andava em turismo pela Europa com a família e só ao regressar à Bahia, meses depois, teve conhecimento dos sucessos de Cajazeiras do Norte. Uma parenta, Beatriz, o procurara logo após o desembarque, desesperada: você é o chefe de família, primo. Fêmea insaciável com quem dormira nos idos de Março, antes dela casar-se com a besta do Eustáquio, estava em pânico, a pedir intervenção e auxílio.

- Daniel se meteu numa trapalhada horrível, primo! Se meteu, não; foi envolvido, primo Emiliano, vítima de rameira das piores, uma serpente. (clik na imagem e aumente)

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