quarta-feira, agosto 10, 2011

TEREZA

BATISTA

CANSADA


DE


GUERRA


Episódio Nº 175




Na cadeira, as mãos pousadas nos encostos, o doutor parecia indeciso na escolha do livro a ler naquela noite, a ler para Tereza ouvir.

Ah, nunca mais, sentada a seus pés, a cabeça encostada em seus joelhos, nunca mais escutará a voz cálida a conduzi-la por caminhos obscuros, mostrando-lhe como enxergar nas trevas, a lhe propor mágicas e adivinhas e a lhe oferecer soluções e entendimento.

Lendo e relendo quando necessário, para ela se apossar da chave do mistério e penetrá-lo no todo e nos detalhes; erguendo-a pouco a pouco à sua altura.

12

Apenas haviam chegado a Estância, e assuntos urgentes obrigaram o doutor a partir para a Bahia, deixando Tereza sob a guarda de Alfredão e a companhia de uma criada, moça do lugar.

Trancada na desconfiança, no corpo a marca dos maus-tratos e no coração a lembrança de cada minuto de um tempo recente e aviltante de pancada e ignomínia de Justiniano Duarte da Rosa e de Dan, da cadeia e da pensão, vivendo por viver sem qualquer horizonte, Tereza ainda não assentara a cabeça.

Viera com o doutor um pouco à mercê dos acontecimentos e pelo respeito que ele impunha. Teria bastado o respeito? Atracção também, poderosa a ponto de fazê-la abrir-se em gozo quando ele a beijara na porta da pensão antes de pô-la na garupa do cavalo. Assim viera, sem saber qual o fim daquilo tudo.

Ao avisá-la da presença do doutor, Gabi a avisara sobre a presumível brevidade do xodó do usineiro, capricho de graúdo, antevendo-lhe rápida volta ao prostíbulo, as portas da pensão para ela sempre abertas – aqui é sua casa, minha filha.

Assumira a posição de fêmea do doutor, não a de amásia. Na cama se abrasava à simples contemplação da máscula figura de Emiliano Guedes e ao menor toque dos dedos sábios; no constante e crescente amor que lhe devotou, a volúpia precedera a ternura e só com o tempo se mesclaram e se fundiram os sentimentos. No resto, porém, continuava agindo como se estivesse em companhia do capitão, como se vivesse situação idêntica à anterior.

Desde manhãzinha cedo a trabalhar para pôr aquela imensa casa asseada e em ordem, enquanto a empregada se deixava ficar na maciota, olhando as panelas da cozinha, vagando pela sala de espanador na mão, colorido e inútil. Silencioso e activo, a carapinha embranquecendo, trazido da usina em carácter provisório, Alfredão cuidava do pomar e do jardim abandonados, fazia as compras e guardava a casa e a virtude de Tereza.

Por mais a adivinhasse, o doutor bem pouco a conhecia e assim a precaução se impunha. Mas até nos serviços de Alfredão se envolveu Tereza; quando ele ia recolher o lixo, já ela o fizera. Junto com o trabalhador e a criada, comeu na cozinha, usando os dedos – as gavetas atulhadas de talheres de prata.

A casa ficou um brinco: confortável chalé no centro de amplo terreno plantado de árvores frutíferas, com duas grandes salas, a da frente e a de jantar, quatro quartos abertos sobre a brisa do rio Piauitinga, cozinha e copa enormes, além da puxada onde ficavam os banheiros, e mais os quartos dos empregados, a despensa e o depósito de abregueces. (clik na imagem e aumente)

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