sábado, agosto 27, 2011

TEREZA

BATISTA

CANSADA

DE

GUERRA






Episódio Nº 190


18


Nunca sentiste, Tereza, o golpe do rebenque, a dureza extrema, a inflexibilidade? Não tocaste o outro lado, a lâmina de aço?

Antes desta noite em que velamos o corpo do eminente cidadão Emiliano Guedes em casa própria, não foste, Tereza, penetrada pela morte, nunca antes a tiveste instalada dentro de ti, presença física, real, dilacerante garra de fogo e gelo em teu ventre roto, por acaso não, Tereza?

Sim, aconteceu, mestre João; foi pela mão da morte que ela transpôs as fronteiras da compreensão e da ternura. Não só no calendário da rosa viveu Tereza Batista com o doutor, houve uma ocasião ao menos de tristeza e luto, de funeral, a morte sendo cometida dentro dela, em suas entranhas acontecendo, jornada amarga. Pensara-se morta também mas renascera para o amor no trato do amante; carinho, delicadeza, devotamente, foram milagrosa medicina. Morte e vida, rebenque e rosa.

Da boca leal e grata de Tereza não ouvirás a história, mestre João; nos dedos do morto ela só deposita a rosa, em despedida. Mas, queira ou não, a memória recorda, traz e estende junto ao cadáver do doutor o daquele que não teve velório nem enterro, não chegando a ser, cuja vida se extinguira antes do nascimento, sonho desfeito em sangue, o filho. Agora são dois cadáveres sobre o leito, duas ausências, duas mortes, ambas aconteceram dentro dela. Contando com Tereza, são três os mortos, ela hoje morreu pela segunda vez.

19

Quando as regras faltaram dois meses consecutivos, sendo Tereza de menstruação exacta, vinte e oito dias contados entre os períodos, acontecendo igualmente outros sintomas, ela sentiu o coração parar: estava grávida! A sensação inicial foi de êxtase: ah, não era estéril e ia ter um filho, um filho seu e do doutor, infinita alegria!

Na roça do capitão, dona Brígida não lhe permitia ocupar-se da neta, nem cuidar quanto mais brincar com a criança, vendo em Tereza inimiga a tecer tramas e astúcias para se apossar dos direitos de herança da filha de Dóris, a quem deviam tocar com exclusividade os bens de Justiniano Duarte da Rosa, quando baixasse dos céus o anjo da vingança com a espada de fogo. A convite de Marcos Lemos, certa tarde de Domingo, Tereza saíra da pensão de Gabi, na Cuia Dágua, para vir à matiné do cinema, no centro de Cajazeiras do Norte.

Ao atravessar a praça da Matriz, enxergara dona Brígida com a criança na porta da casa própria, casa comprada pelo doutor Ubaldo, hipotecada, quase perdida, recuperada por fim; avó e neta nos trinques e na satisfação, nem pareciam a velha maluca, de juízo mole, e a andrajosa menina – bem se diz não haver para certos males remédio comparável ao dinheiro. Na roça, dona Brígida proibira Tereza de tocar a criança e na boneca, presente da madrinha, dona Beatriz, mãe de Daniel.

Engraçado: no breve prazo de Dan, ao despertar para o prazer, apaixonada e cega, não pensara em conceber um filho do rapaz e quando o pior aconteceu, somou-se a seu tormento o medo de estar grávida de Dan, um pesadelo. Mas a pancadaria de tão grande lhe antecipara as regras, ao menos isso as surras tiveram serventia. Naquele mundo cruel, beco estreito, sem saída, depois de muito reflectir no assunto, Tereza concluíra pela impossibilidade de ter filhos, julgando-se estéril, incapaz de procriar, atribuindo o facto à maneira violenta como fora deflorada.
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