terça-feira, novembro 01, 2011

TEREZA

BATISTA

CANSADA

DE

GUERRA


Episódio Nº 245




O bom Calá, um pequenino muito do sem vergonha, não fez um álbum de gravuras tendo como tema incidentes da vida de Tereza? Foi também nessa ocasião que certo seresteiro de olho nela e com esperanças compôs e lhe dedicou modinha, um tal Dorival Caymmi.

Estando na companhia deles, aconteceu mais de uma vez a Tereza recordar os dias de Estância com o doutor, aquele gosto intenso de viver.

Assim Tereza conheceu um mundo de pessoas, assistiu festas de largo, passeou no Rio Vermelho, onde o pintor morava, modelo de vários quadros. Na escola de capoeira, mestre Pastinha lhe ensinou a dançar samba de Angola; na barcaça, mestre Gunzá lhe disse de ventos e marés, contou dos portos do Recôncavo; Camafeu a convidou para sair de figurante nos Diplomatas de Amaralina, tendo ela recusado por lhe faltar ânimo para carnaval. Frequentou candomblés, o Gantois, o Alaketu, a Casa Branca, o Oxumarê, o Apô Afonjá, amigo de mãe Senhora, tinha um posto em casa de Oxalá.

Passeio predilecto, porém, diário e obrigatório, a Rampa do Mercado, o cais dos saveiros, o porto da Bahia. Quando a barcaça Ventania estava atracada, Tereza vinha conversar com mestre Gunzá, revolver o punhal na ferida falando de Januário Gereba.

No cais já o povo a conhecia com as suas perguntas repetidas, ansiosas. Quem dá notícia de um barco panamenho, de nome Balboa, negro cargueiro? Nele embarcaram seis marujos baianos, onde andarão?

Com a ajuda de mestre Gunzá descobriu o Flor das Águas, agora propriedade de velho saveirista, mestre Manuel, por ele rebaptizado Flecha de São Jorge, em honra da mulher, Maria Clara, filha de Oxossi. Tereza demorou sentada junto ao leme, tocou com a mão o madeirame. Maria Clara ao ver a moça morena, tensa e ausente, os olhos no vazio, querendo perceber no tabuado curtido pelo sal das águas a lembrança, o gesto, o calor da mão de Januário, disse:

- Tenha fé, ele há-de voltar. Vou mandar fazer um ebó para Iemenjá.

Além de um vidro de perfume e de um pente largo para os cabelos pentear, Iemenjá pediu duas galinhas-da-guiné para comer e um pombo branco solto sobre o mar.

8

No Flor de Lotus, no castelo de Viviana, Tereza travou conhecimento com várias raparigas, estabelecendo amizade com algumas. Seu nome passara a ser pronunciado com respeito, desde a pega com Nicolau Caução, tira da Delegacia de Jogos e Costumes a botar roça às custas das mulheres-da-vida, em todo o vasto e inquietante território onde se estende, podre e ardente, a zona do meretrício, da Barroquinha ao Pelourinho, do Maciel à Ladeira da Montanha, do Taboão à Carne Seca.

Acontecia-lhe almoçar no Pelourinho, em casa de Anália, uma rapariga de Estância, ou em casa da negra Domingas e de Maria Petisco, na Barroquinha.

Mulatinha jovem e fornida, tramela solta, uma espoleta, riso fácil, choro ainda mais e paixão não se fala, um rabicho por semana, inconstante coração.

Maria Petisco fora salva por Tereza Batista das garras, melhor dito, do punhal do espanhol Rafael Vedra.

Em noite de terça-feira, de pequeno movimento no cabaré, estando a estouvada a conversar numa das mesas do fundo onde as mulheres sentavam-se à espera de convite para dançar ou beber, invadiu o estabelecimento passional galego, recém-importado de Vigo ainda todo vestido de negro e de drama, a representação do ciúme, última paixão da moura infiel. Tudo se passou no melhor estilo do tango argentino, como compete a amores assim rápidos e vorazes.

- Perra maldita!

Rafael ergueu o punhal, a rapariga levantou-se num frito de terror, Tereza avançou a tempo, um rolo. Desviado por Tereza, o punhal resvalou no ombro de Maria Petisco, tirando sangue, o suficiente para levar a honra ibérica e conter o braço trágico do despeitado.




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