quarta-feira, dezembro 28, 2011

TEREZA

BATISTA

CANSADA

DE

GUERRA

Episódio Nº 293



58

Na Praça Castro Alves, sentado no automóvel, Edgard, velho chofer de táxi, cochila. O movimento é fraquíssimo àquela hora, quando todo o mundo está em casa, comendo, conversando, ouvindo rádio, preparando-se para descansar ou sair. Com a retirada das mulheres da Barroquinha, o fechamento das pensões na véspera, a afluência de clientes diminuiu nas redondezas. Ainda é muito cedo para o cabaré Tabaris abrir as portas e a animação recomeçar.

Edgar encontra-se sozinho no ponto, os demais choferes foram jantar, ainda não regressaram. No meio da madorna, na preocupação de não perder freguês, abre os olhos, constata a ausência de qualquer interessado. Antes de retornar ao sono, dá uma espiada na Praça. No ponto de ónibus, Jacira Fruta-pão vende mingau de puba, milho e tapioca. Quase ninguém, hora morta.

Suspende a vista e lhe cai o queixo. Cadê a estátua do poeta Castro Alves? Não está no alto pedestal a declamar de mão estendida para o mar imenso, reclamando justiça para o povo.

Para onde e porque a levaram? Certamente para limpá-la, mas sempre a limparam ali mesmo, sem necessidade de retirá-la. Alguma coisa sucedeu, que teria sido? Amanhã, com certeza, o jornal explicará o momento exacto.

Edgard retorna ao cochilo interrompido. Antes de adormecer, dá-se conta de que, sem a estátua do poeta, a praça fica diferente, menor, diminuída.

59

Informado da gravidade da situação, o Senhor Governador acede em retirar-se da sala, onde o uísque é servido antes do banquete em homenagem ao almirante e aos altos oficiais norte-americanos, para trocar uma palavra com o vereador Reginaldo Pavão.

Activo correligionário, não há dúvida, mas picareta sem controle nem censura, o fogoso caça-votos-e-prestígio é mantido a prudente distância pelo chefe-de-estado, político de inteligência e astúcia celebradas, nascido pobre nas barrancas de São Francisco, subido na carreira a golpes de audácia e sabedoria.

Reginaldo é óptimo para ser utilizado em certas circunstâncias, mas sempre cuidadosamente; além de analfabeto, é audacioso. Mas o oficial de gabinete sussurrara horrores ao ouvido governamental, Sua Excelência pediu licença em seu melhor inglês, levantou-se.

Em sala próxima escuta relato e apelo. Patético, a voz encharcada em lágrimas, Reginaldo Pavão fala em tragédia grega. Porquê grega? O vereador leu Aristófanes – desejou perguntar o Excelentíssimo, mas a hora não é própria para gozação. Contenta-se em mandá-lo esperar enquanto tomará as devidas providências: aguarde aqui, caro Pavão, e terá boas notícias a transmitir às nossas…

- Como foi mesmo que você disse? Aquela expressão tão bonita? Ah! Sim: às nossas irmãs do meretrício.

- Prostitutas porém eleitoras, Excelência.

Do gabinete, o governador comunica-se com o chefe da polícia:

- Que história é essa de mudar à força as raparigas? Greve de rameiras, onde já se viu? Só mesmo na Bahia e em meu governo. E os marinheiros, meu caro? (click na imagem)

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