segunda-feira, janeiro 30, 2012

GABRIELA

CRAVO
E
CANELA


Episódio nº 9



Riu ao recordar-se – Ponte para atracação não havia, umas ruas sem calçamento, movimento pequeno. Lugar bom para esperar a morte. Hoje é o que se vê: cada dia uma rua nova. O porto entupido de embarcação.

Apontava o ancoradouro: um cargueiro do Lloyd na ponte da Estrada de Ferro, um navio da Baiana na ponte em frente aos armazéns, uma lancha desatracando da ponte mais próxima, fazendo lugar para o Ita. Barcaças e lanchas, canoas indo e vindo entre Ilhéus e Pontal, chegando das roças pelo rio.

Conversavam junto à banca de peixe construída num descampado em frente à Rua do Unhão onde os circos de passagem armavam seus pavilhões. Negras vendiam mingau e cuscuz, milho cozido e bolos de tapioca. Fazendeiros habituados a madrugar nas suas roças e certas figuras da cidade – o doutor, João Fulgêncio, o Capitão, Nhô-Galo, por vezes o Juiz de Direito e o Dr. Ezequiel, quase sempre vindo directamente da casa da rapariga situada nas imediações – reuniam-se ali diariamente antes da cidade acordar.

A pretexto de comprar o melhor peixe, fresquinho, a debater-se, ainda vivo nas mesas da banca, comentavam os últimos acontecimentos, faziam previsões sobre a chuva e a safra, o preço do cacau. Alguns, como o coronel Manuel das Onças, apareciam tão cedo que assistiam à saída dos últimos retardatários do cabaré Bataclan e à chegada dos pescadores, os centos de peixes retirados dos saveiros, robalos e douradas brilhando, como lâminas de prata, à luz da manhã.

O coronel Ribeirinho, proprietário da fazenda Princesa da Serra, cuja riqueza não afectava sua simplicidade bonachona, quase sempre já ali se encontrava quando, às cinco da manhã, Maria de São Jorge, formosa negra especialista em mingau e cuscuz de puba, descia o morro, tabuleiro sobre a cabeça, vestida com a saia colorida de chitão e a bata engomada e decotada a mostrar-lhe metade dos seios rijos. Quantas vezes não a ajudava o coronel a baixar a lata de mingau, a arrumar o tabuleiro, os olhos no decote da bata.

Alguns vinham mesmo de chinelas, paletó de pijama sobre uma calça velha. Jamais o Doutor, é claro. Esse dava a impressão de não despir a roupa negra, os borzeguins, o colarinho de bunda virada, a gravata austera, sequer para dormir. Repetiam diariamente o mesmo itinerário: primeiro o copo de mingau na banca do peixe, a conversa animada, a troca de novidades, grandes gargalhadas. Iam andando depois até à ponte principal do cais, onde paravam ainda um momento, separavam-se quase sempre em frente da garagem de Moacir Estrela, onde a marinete das sete horas, espectáculo recente, recebia passageiros para Itabuna.

O navio apitava novamente, um apito longo e alegre como se quisesse despertar toda a cidade.

- Recebeu o prático. Vai entrar.

- Sim, Ilhéus é um colosso. Não há terra de mais futuro.

- Se o cacau subir, nem que seja quinhentos réis este ano, com a safra que vamos ter, dinheiro vai ser cama de gato… - sentenciou o coronel Ribeirinho, uma expressão de cobiça nos olhos.

- Até eu vou comprar uma boa casa para minha família. Comprar ou construir… - anunciou o coronel Manuel das Onças.

- Ora, muito que bem! Sim senhor, finalmente! – aprovou o Capitão batendo nas costas do fazendeiro.

- Já era tempo, Manuel… - zombou Ribeirinho.

- Os meninos mais moços estão chegando na idade de colégio e não quero que fiquem ignorantes como os mais velhos e como o pai. Quero que pelo menos um seja doutor de anel e diploma.

(na imagem, uma plantação de cacau. O sul da Bahia produz 95% do cacau brasileiro e é o 5º maior produtor mundial com a Costa do Marfim, Nigéria, Gana e Camarões tendo já permitido receitas de 3,5 mil milhões de dólares de receita para o país)

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