sábado, fevereiro 04, 2012

GABRIELA
CRAVO
E
CANELA



Episódio Nº 14



- Hoje o capitão parecia uma cachoeira de eloquência. Que palavreado bonito!

- Mas vazio. O Doutor, em compensação, tudo o que ele diz tem tutano. O homem é um dicionário!

Só mesmo o Dr. Ezequiel Prado podia lhes fazer concorrência nas raras vezes em que, quase sempre bêbado de cair, subia a outra tribuna fora do júri. Tinha ele também seus incondicionais e, no que se refere aos debates jurídicos, a unanimidade da opinião pública: não havia quem se lhe comparasse.

Pelópidas de Assunção d’Ávila descendia de uns Ávilas, fidalgos portugueses estabelecidos nas bandas de Ilhéus ainda no tempo das capitanias. Pelo menos assim o afirmava o Doutor, dizendo-se baseado em documentos de família. Opinião ponderável, de historiador.

Descendente desses celebrados Ávilas, cujo solar se elevara entre Ilhéus e Olivença, hoje negras ruínas ante o mar, cercadas de coqueiros, mas também de uns Assunções plebeus e comerciantes, diga-se em sua homenagem, ele cultivava a memória de uns e de outros com o mesmo fervor exaltado.

É claro que pouco havia a contar sobre os Assunções, enquanto era rica de feitos a crónica dos Ávilas. Obscuro funcionário federal aposentado, vivia o Doutor, no entanto, em meio a um mundo de fantasias de grandeza: a glória antiga dos Ávilas, seus feitos e sua prosápia, estava ele desde há muitos anos escrevendo um livro volumoso e definitivo. Do progresso de Ilhéus era ardoroso propagandista e voluntário colaborador.

Ávila colateral e arruinado fora o pai de Pelópidas. Da família nobre herdara apenas o nome e o aristocrático hábito de não trabalhar.

Havia sido, porém, o amor, e não o vil interesse, como então se propalara, que o levara a casar-se com uma plebeia Assunção, filha de um próspero bazar de miudezas. Tão próspero durante a vida do velho Assunção que o neto Pelópidas fora mandado estudar na Faculdade de Direito do Rio de Janeiro.

Mas o velho Assunção morrera, sem ter ainda completamente perdoado à filha a burrice daquele casamento nobre, e o fidalgo, tendo adquirido hábitos populares como o jogo do gamão e a briga de galos, comera a pouco e pouco o bazar, a metro e metro de fazenda, a dúzia e dúzia de grampos, a peça e peça de fita colorida.

Assim terminara a abastança dos Assunções após a grandeza dos Ávilas deixando Pelópidas no Rio sem recursos para continuar os estudos, quando andava pelo 3º ano da Faculdade. Já então o chamavam de Doutor, primeiro o avô, as empregadas da casa, os vizinhos, quando vinha a ilhéus pelas férias.

Amigos de seu avô, arranjaram-lhe magro emprego numa repartição pública, deixou os estudos, ficou pelo Rio.

Prosperou na Repartição, miúdo prosperar, no entanto, falho de protecção, dos grandes e da útil sabedoria da adulação. Trinta anos depois aposentou-se e voltou a Ilhéus para sempre, para dedicar-se à “sua obra”, o livro monumental sobre os Ávilas e o passado de Ilhéus.

Livro que já era, ele próprio, quase uma tradição. Pois nele se falava desde os tempos quando, ainda estudante, o Doutor publicara numa revista carioca, de circulação limitada e vida reduzida ao primeiro número, famoso artigo sobre os amores do Imperador Pedro II – por ocasião da sua imperial viagem ao norte do país – e da virginal Ofenísia, Ávila romântica e linfática
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(click 2 vezes na imagem do Calçadão e do actual Centro Histórico de Ilhéus)

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