terça-feira, fevereiro 07, 2012

GABRIELA


CRAVO
E
CANELA

Episódio Nº 16



Esse Luís António d’Ávila morrera coronel na guerra do Paraguai, chefiando homens levados de seus engenhos na retirada da laguna.

A romântica Ofenísia morreu tísica e virgem no solar dos Ávilas, saudosa das barbas reais. E bêbedo morreu o poeta Teodoro de Castro, o apaixonado e mavioso cantor das graças de Ofenísia, cujos versos tiveram certa popularidade na época, nome hoje injustamente esquecido nas antologias nacionais.

Para Ofenísia escrevera seus versos mais catitas, exaltando em rimas ricas sua frágil beleza doentia, suplicando seu inacessível amor. Versos ainda hoje declamados pelas alunas do colégio das freiras ao som da Dalila, em festas e saraus.

O poeta Teodoro, temperamento trágico e boémio, morreu, sem dúvida, de lânguida saudade (quem irá discutir com o doutor essa verdade?) dez anos após a saída, pela porta do solar em luta, do caixão branco onde ia o corpo macerado de Ofenísia. Morreu afogado em álcool então barato em Ilhéus, cachaça do engenho dos Ávilas.

Material interessante não faltava ao Doutor, como se vê, para seu inédito e já famoso livro; os Ávilas dos engenhos de açúcar e alambiques de cachaça, de centenas de escravos, de terras a nunca acabar, os Ávilas do solar em Olivença, do sobradão na Ladeira do Pelourinho, na capital, os Ávilas de pantagruélico paladar, os Ávilas sustentando concubinas na corte, os Ávilas das belas mulheres e dos homens sem medo, incluindo até um Ávila letrado.

Além de Luís António e Ofenísia, outros haviam-se destacado, antes e depois, como aquele que lutou no Recôncavo, ao lado do avô de Castro Alves, contra as tropas portuguesas nas batalhas da independência, em 1823.

Outro Jerónimo d’Ávila dera-se à política e derrotado numas eleições, fraudadas por ele em Ilhéus, fraudadas pelos adversários no resto da província, pusera-se à frente de seus homens, varrera estradas, saqueara povoados, marchara sobre a capital, ameaçando depor o governo.

Intermediários obtiveram a paz e compensações para o Ávila colérico. A decadência da família acentuara-se com Pedro d´Ávila, de cavanhaque ruivo e alourado temperamento que fugira, abandonando o solar (o sobradão na Baía já tinha sido vendido) os engenhos e os alambiques hipotecados e a família em pranto, para seguir uma cigana de estranha beleza e – no dizer da esposa inconsolável – de maléficos poderes. Desse Pedro d’Ávila, constava haver terminado assassinado, numa briga de canto de rua, por outro amante da cigana.

Tudo isso fazia parte de um passado esquecido pelos cidadãos de Ilhéus. Uma nova vida aparecera com o aparecimento do cacau; o que acontecera antes não contava. Engenhos e alambiques, plantações de cana e de café, legendas e histórias, tudo havia desaparecido para sempre, cresciam agora as roças de cacau e as novas legendas e histórias narrando como os homens lutaram entre si pela posse da terra.

Os cegos cantadores levavam pelas feiras, até o mais distante sertão, os nomes e os feitos dos homens do cacau, a fama daquela região. Só mesmo o Doutor se preocupava com os Ávilas. O que, no entanto, não deixava de aumentar a consideração que lhe dispensavam na cidade.

Aqueles rudes conquistadores de terras, fazendeiros de poucas letras, tinham um respeito quase humilde pelo saber, pelos homens letrados que escreviam nos jornais e pronunciavam discursos.

Que dizer então de um homem com tanta capacidade e conhecimento, capaz de estar escrevendo ou ter escrito um livro? Porque tanto se falara nesse livro do Doutor, tanto se louvaram suas qualidades, que muitos o pensavam publicado há anos, de há tempos definitivamente incorporado ao acervo da literatura nacional.

(click na imagem: tela de Nerival Rodrigues sobre o tema da Colheita do Cacau)

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