GABRIELA
CRAVO
E
CANELA
Episódio Nº 58
Clemente ia carregado. Além dos seus haveres – a harmónica e um saco de pano cheio pela metade – levava a trouxa da Gabriela. A marcha era lenta, iam velhos entre eles, e mesmo os moços estavam no limite da fadiga, não podiam mais. Alguns quase se arrastavam, sustentados apenas na esperança.
Só Gabriela parecia não sentir a caminhada, seus pés como que deslizando pela picada muitas vezes aberta na hora a golpes de facão, na mata virgem.
Como se não existissem as pedras, os tocos, os cipós emaranhados. A poeira dos caminhos da caatinga a cobrira tão por completo que era impossível distinguir seus trapos. Nos cabelos já não penetrava o pedaço de pente, tanto pó se acumulara.
Parecia uma demente perdida nos caminhos. Mas Clemente sabia como ela era deveras e o sabia em cada partícula do seu ser, na ponta dos dedos e na pele do peito. Quando os dois grupos se encontraram no começo da viagem, a cor do rosto de Gabriela e de suas pernas era ainda visível e os cabelos rolavam sobre o cangote, espalhando perfume.
Ainda agora, através da sujeira a envolvê-la, ele a enxergara como a vira no primeiro dia, encostada a uma árvore, o corpo esguio, o rosto sorridente, mordendo uma goiaba.
- Tu parece que nem veio de longe…
Ela riu:
- A gente está chegando. Tá pertinho. Tão bom chegar.
Ele fechou ainda mais o rosto sombrio:
- Não acho não.
- E porque tu não acha? – Levantou para o rosto severo do homem seus olhos, ora tímidos e cândidos, ora insolentes e provocadores – Tu não saíu para trabalhar no cacau, ganhar dinheiro? Tu não fala noutra coisa.
- Tu sabe porquê – resmungou ele com raiva – Pra mim esse caminho podia durar a vida toda. Num me importava…
No riso dela havia certa mágoa, não chegava a ser tristeza, como se estivesse conformada com o destino:
- Tudo o que é bom, tudo o que é ruim, também termina por acabar.
Uma raiva subia dentro dele, impotente. Mais uma vez, controlando a voz, repetia a pergunta que lhe vinha fazendo pelo caminho e pelas noites insones:
- Tu não quer mesmo ir comigo para as matas? Botar uma roça, plantar cacau junto de nós dois? Com pouco tempo a gente vai ter roçado seu, começar a vida.
A voz de Gabriela era cariciosa:
- Já te disse minha tenção. Vou ficar na cidade, não quero mais viver no mato. Vou me contratar de cozinheira, de lavadeira ou para arrumar casa dos outros…
Acrescentou numa lembrança alegre:
- Já andei de empregada em casa de gente rica, aprendi a cozinhar.
- Aí tu não vai progredir. Na roça comigo, a gente ia fazendo seu pé-de-meia, ia tirando para a frente…
(Click na imagem da Gabriela chegada do sertão a Ihéus acompanhada de Clemente)
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