domingo, março 11, 2012

HOJE É




DOMINGO



(Da minha cidade Santarém)

Estamos a viver um período em que cada vez mais se apela para a bondade natural das pessoas. para o altruísmo, para a nossa capacidade de dar sem receber. A realidade, são as crianças que chegam à escola com fome, pais desempregados que deixaram de receber os subsídios de desemprego e se confrontam com situações dramáticas que roçam a mendicidade social.

E as pessoas anónimas respondem favoravelmente levando-nos a perguntar: Por que somos bons? Por que nos condoemos? Por que sentimos compaixão? Qual o motivo do impulso que nos leva à dádiva anónima para as vítimas desta crise ou de outras que vitimam grupos de pessoas, muitas vivendo longe, noutros países, em outras regiões do mundo? De onde vem este bom samaritano que vive dentro de nós?

As organizações de natureza religiosa, nestas situações, lideram as campanhas de recolha de fundos, mobilizam e incentivam as pessoas e daí perguntar-se se estes comportamentos têm alguma coisa a ver com a religião. Será por causa dela que somos bons?

É que há muitas pessoas religiosas que consideram difícil imaginar como sem religião alguém pode ser bom ou há-de sequer querer ser bom, e esta incapacidade para compreender e aceitar a bondade fora da religião leva algumas pessoas religiosas a paroxismos de ódio contra aqueles que não professam a sua religião pelo que esta, que se proclama fonte de inspiração para a bondade e o amor pode transforma-se, ela própria, num imenso reservatório de ódio e maldade.

Muitos cientistas sustentam que o nosso sentido de certo e errado do bem e do mal provem do nosso passado darwiniano.

Richard Dawkins apresenta, a este respeito, a sua versão:

- Em primeiro lugar, diz ele, temos os comportamentos de altruísmo e bondade para com os nossos parentes dos quais o carinho e a protecção que dispensamos aos nossos filhos é o exemplo mais óbvio mas não o único no mundo animal.

Cuidar dos parentes próximos para os defender, para os alertar contra os perigos ou partilhar com eles alimentos são comportamentos normais entre indivíduos que partilham cópias dos mesmos genes.

- Em segundo lugar temos um outro tipo de altruísmo para o qual existe uma sólida fundamentação lógica darwiniana que é o altruísmo recíproco (temos de ser uns para os outros). Não depende da partilha de genes e funciona até igualmente bem entre animais de espécie diferentes, sendo aí chamada de simbiose.

Trata-se do mesmo princípio que está na base de todo o comércio e das trocas entre os seres humanos. O caçador precisa de uma lança e o ferreiro precisa de carne. É a assimetria que medeia o acordo. A abelha precisa de néctar e a flor de ser polinizada.

A selecção natural favorece os genes que predispõem os indivíduos, em relações de necessidade e oportunidade assimétricas, para darem quando podem e solicitarem quando não podem e favorece também as tendências para lembrar as obrigações, para guardar rancor, para fiscalizar as relações de troca e para punir os trapaceiros que recebem, mas que não dão quando chega a sua vez de o fazerem.

- Em terceiro lugar, os comportamentos altruístas favorecem o indivíduo que os pratica porque lhes permite ganhar fama de bondosos e generosos e essa reputação é importante e os biólogos reconhecem nela valor de sobrevivência darwiniana não só pelo facto de serem bons como também por alimentarem essa reputação.

-Em quarto lugar, o economista norueguês-americano Thorstein Veblen e de uma forma diferente o zoólogo israelita Amotz Zahavi, acrescentaram ainda uma ideia mais fascinante quanto à vantagem dos comportamentos altruístas considerando-os uma proclamação implícita de domínio ou superioridade.

Os indivíduos compram o êxito através de demonstrações de superioridade, incluindo a generosidade ostentatória e o assumir de riscos pelo bem comum.

Temos então quatro boas razões Darwinianas para os indivíduos serem altruístas, generosos ou “morais” uns para com os outros e ao longo da nossa Pré-Histórica, o ser humano viveu em condições que terão favorecido bastante a evolução destes 4 tipos de altruísmo:

- Vivíamos em aldeias ou, em tempos mais recuados, em bandos nómadas discretos, parcialmente isolados de aldeias ou de bandos vizinhos, e estas eram condições que favoreceram extraordinariamente o evoluir das relações altruístas familiares como factor importante para a sobrevivência do grupo.

- E não só para o altruísmo de base parental como igualmente do altruísmo recíproco ao cruzarem-se com frequência com os mesmos indivíduos e estas são as condições ideais para se construir a reputação do altruísmo e também para publicitarem uma generosidade conspícua.

É fácil perceber a razão pela qual os nossos antepassados pré históricos terão sido bons para os membros do seu próprio grupo mas maus, chegando à xenofobia, em relação a outros grupos.

Mas agora que a maior parte de nós vive em grandes cidades onde já não estamos rodeados de parentes e conhecemos indivíduos que não mais voltaremos a encontrar, por que motivo somos ainda bons uns para os outros e até para aqueles que pertencem a grupos exteriores ao nosso?

É importante não transmitir uma ideia errada sobre o alcance da selecção natural pois ela não favorece a evolução de uma consciência cognitiva do que é bom para os nossos genes, o que ela favorece são regras de base empírica que na prática funcionam no sentido de prover os genes que as criaram.

Nesses tempos ancestrais a melhor forma da selecção natural assegurar a sobrevivência da nossa espécie foi instalando no cérebro não só a necessidade de acreditar, como também, o desejo sexual e a compaixão ou generosidade.

Estas regras que ditam estes impulsos para acreditar, para o sexo, para a generosidade e para a xenofobia, são muito anteriores à religião, às civilizações e aos vários contextos culturais que se limitaram mais tarde a regulá-los, condicioná-los, instrumentalizá-los, cada um à sua maneira, fazendo deles o cerne da vida dos homens ao longo de toda a sua existência.

Se voltarmos novamente a pôr a questão de saber qual a razão ou razões pelas quais somos bons, a resposta parece-nos ser agora clara, acessível à nossa razão, quase natural e, acima de tudo, nada ter a ver com qualquer religião.




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